Scream precisa se arriscar na segunda temporada e perder o medo de matar seus personagens

Depois de uma primeira temporada cercada de expectativas, Scream precisou lidar com a perda de Wes Craven, que faleceu em agosto de 2015, para reencontrar o eixo criativo que honrasse todos esses nomes envolvidos. A franquia é até hoje um exemplo cabal de bom entretenimento e parte desse respeito e prestígio se dá por conta da esperta relação que a trama faz com a própria mitologia do gênero slasher e com as manifestações contemporâneas da tecnologia. Se enquanto cinema seu lugar sempre foi confortável, transferir a ideia para o formato episódico foi o grande desafio da equipe por trás da atração.

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Vale lembrar que os "filmes slashers" são sempre aqueles em que um criminoso mascarado persegue vítimas com algum tipo de arma branca, que age geralmente conforme um rígido sistema de regras involuntárias já consagradas no cinema do gênero. Nos anos 90, o primeiro filme da franquia Scream deu tão certo justamente por ter destrinchado esses códigos de forma brilhante, usando-os como ferramenta de embasamento e depois subvertendo-os de modo a surpreender a audiência. Mesmo assim, como o próprio roteiro do filme dizia, "não se deve mexer muito com os originais".

Ano passado, "mexer com os originais" foi o que a produção da MTV mais fez. Se num filme o caminho de sangue construído pelo assassino só é providenciado pensando no próximo susto, numa série de TV onde o público precisa gostar dos personagens por mais que apenas 120 minutos, a regra pode se tornar um problema. Ao longo dos episódios do primeiro ano, os roteiristas se empenharam em deixar o texto o mais próximo possível da sagacidade original, mas precisaram rever alguns dos itens desse "contrato" com o gênero. Isso gerou consequências e questionamentos que só agora puderam ser colocados à prova.

Em seu retorno, Scream homenageou o longa Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado e se preparou para responder com ações a algumas críticas sobre ter "suavizado" as ações do assassino, traindo a fórmula slasher apenas para poupar o time de personagens principais. Considerando que numa série de TV precisa haver rostos familiares resistindo aos anos, Scream precisou arriscar manipulações editoriais que proporcionassem ao público uma sensação de continuidade. O problema é que ao resolver a questão salvando a vida de tantos personagens, a série também enfrentou bastante descrença.

Sendo assim, tudo a respeito desse segundo ano tem a ver com adaptação. Os sobreviventes se reajustam no mundo e nós na nossa cadeira, pensando sobre a responsabilidade desse tipo novo de "sequência". Se o roteiro protegeu demais os personagens principais na temporada passada, a ordem é não ser piedoso na reestreia. É claro que sempre haverá uma "final girl" (ou boy) esperando o próximo tormento, mas se a série tem qualquer pretensão de êxito não pode mais se acovardar no processo. Por isso, se formos considerar os grandes eventos do episódio inicial já é provável admitir que progressos foram feitos. Em dado momento, Noah (John Karna) ouve de um novo personagem que "vocês estão focados demais no final" e que "a matança nunca para", reforçando a ideia de que a "final girl" sempre apresentará uma razão para frutificar sequências. De certa forma o que eles nos dizem é que a jornada se justifica por associação e que faça sentido ou não, é ela que importa. Isso é ousado e preocupante na mesma medida.

Como toda boa sequência, a segunda temporada será tomada de mortes mais elaboradas e mais segredos envolvendo o passado da protagonista. Esse sempre foi o ponto sensível da série e manobras para interligar as temporadas de modo apressado podem acabar desviando o foco dos espectadores para direções erradas. O fato é que gente continua morrendo, há uma das sobreviventes que é suspeita de cumplicidade e para justificar tais coisas, o esqueleto principal da história pode se contradizer. O primeiro episódio já sinalizou as ainda presentes dificuldades na construção de diálogos e motivações, mas demonstrou eficiência na aplicação de um conceito para o novo ano: assim como os personagens de Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado fogem de um passado que os retalha, os de Scream também são observados e julgados pelos supostos segredos que guardam.

Tanto mistério e suspense são o grande acerto da série nesse retorno, que ainda teve tiradas incríveis de Noah e uma bela cutucada nessa dinâmica de invasões e crueldades virtuais. Scream tem todos os elementos ali, de herança de Craven, para transformar-se num grande exemplo de adaptação bem-sucedida. Resta saber se eles terão coragem de arriscar ou se continuarão a poupar seus personagens por medo das consequências.