A escolha de um ator praticamente octagenário para ser o protagonista de uma série de ficção científica pode parecer completamente inusitada. Mas passa de absurda a inspirada quando se trata de Patrick Stewart, 79, interpretando o personagem que o levou à fama, o capitão Jean-Luc Picard, numa nova série de Star Trek (Jornada nas Estrelas).
É o que provam os três primeiros episódios da série, aos quais o Omelete teve a chance de assistir antecipadamente. O primeiro deles vai ao ar no Brasil nesta sexta-feira (24) pelo Amazon Prime Video, e os subsequentes, semanalmente, às sextas-feiras, numa temporada de dez episódios.
Embora tenha todos os ingredientes de uma emocionante trama futurista, com tiroteios, explosões e correria, acompanhados por complexos efeitos visuais, a história nunca se perde do seu eixo no personagem principal. Não por acaso, foi intitulada Star Trek: Picard.
E, claro, o ganho é enorme. Não é à toa que Stewart comparou sua última participação nos filmes dos X-Men como o Professor Xavier. A nova série traz o confiante capitão numa situação de muita fragilidade e resignação. Aposentado da Frota Estelar e cuidando da vinícola da família na França, Picard se afastou o mais que pôde do destino da galáxia, sentindo-se culpado por uma tragédia contra a qual não pôde fazer nada.
A forma como ele será reintroduzido às grandes questões cósmicas, por sua vez, entrelaça diversos elementos nascidos das sete temporadas de Jornada nas Estrelas: A Nova Geração, que Stewart estrelou entre 1987 e 1994, bem como dos seus quatro filmes para cinema (em particular o último deles, Jornada nas Estrelas: Nêmesis, de 2002). Apesar de os produtores (dentre eles o próprio Stewart, que é produtor executivo em Picard) passarem boa parte do ano que passou declarando que não se trata de uma continuação da antiga série, os fãs terão dificuldade em não pensar dessa maneira, dado o enraizamento da trama em tudo que veio antes.
Contudo, e nisso os produtores estão corretos, o tom e a estética da série são bastante diferentes de tudo que veio antes – inclusive a novíssima Star Trek: Discovery, que está nesse momento filmando sua terceira temporada. Seguindo a linha das séries premium de streaming, Picard tem incríveis valores de produção e um visual que a aproxima mais de uma produção cinematográfica do que da série dos anos 1980 e sua fotografia limitada em "tela quadrada". Nesse sentido, trata-se de uma criatura muito diferente de A Nova Geração.
Os fãs vão se encantar com a enorme quantidade de referências (de personagens, eventos e espécies), apropriadamente incluídas para formar o tecido conectivo entre o velho e o novo. Os recém-chegados, por sua vez, vão facilmente perceber que não precisam de qualquer conhecimento prévio para acompanhar a trama de Picard.
E agrada, acima de tudo, o ritmo com que a série se desenrola, mais gracioso do que o frenesi habitual da ficção científica televisiva moderna. Cada episódio mais lembra um capítulo de livro do que um segmento de televisão, e nota-se que a trama está muito bem costurada. Fugindo à fórmula de um episódio piloto clássico, e se alinhando com essa estética literária, vemos uma apresentação gradual do elenco regular, ao longo dos três primeiros episódios, conforme Picard parte em uma investigação que vai gradualmente introduzindo esses personagens.
A série também respeita a idade do protagonista e de seu personagem, mostrando que ele não é mais o herói de ação que um dia foi. Mas o sentido aguçado de liderança e inteligência do velho capitão ainda estão lá.
Aos poucos, Picard forma uma nova tripulação, em meio a uma trama que envolve androides, conspirações, espionagem, romulanos (os mais antigos inimigos da Federação) e borgs (os antagonistas mais poderosos encontrados por Picard). A jornada o coloca frente a frente com seus próprios demônios, num misto de culpa e desapontamento com um universo que já não lhe parece mais tão brilhante quanto um dia foi. Mas, pela primeira vez em muitos anos, surge um cintilar de esperança em seus olhos.