No princípio, Stranger Things era apenas uma série sobrenatural estrelada por Winona Ryder. Por mais que a Netflix esperasse um retorno positivo - o serviço de streaming requisitou antes da estreia que os irmãos Duffer planejassem um segundo ano - ninguém podia prever o fenômeno iniciado em 15 de julho de 2016. Oito episódios depois, em um fim de semana em frente à TV, a cultura pop ganhava novos personagens para amar e criar teorias mirabolantes em uma embalagem confortavelmente familiar - a quantidade de referências à década de 80 fez muita gente pensar que a série era o produto de um algoritmo da Netflix, reunindo os produtos favoritos dos seus assinantes.
Logo, a segunda temporada já começa muito diferente da primeira, com uma alta dose de expectativa para ser administrada pelos criadores, roteiristas e diretores, Matt e Ross Duffer, e pelo produtor-executivo e diretor Shawn Levy. A estratégia foi tratar o novo ano como uma continuação mais cinematográfica do que televisiva: Stranger Things 2 dizem os créditos de abertura. Ganchos são respondidos, mas o objetivo principal é ampliar o universo e os personagens em um grande filme de 9 horas (ou 8 horas e um longa derivado).
O plano dá certo. A temporada se divide como os três atos de um roteiro: os primeiros episódios reencontram personagens e estabelecem a ameaça (o Monstro das Sombras), a metade da temporada mostra as suas complicações e os dois últimos capítulos trabalham em torno da resolução. Elementos que parecem desimportantes em um momento ganham importância em outro e o grande mérito é como os Duffer amarram tudo ao final. A dupla sabe que não ganhou o coração do público só com mistérios e referências. A alma está nos personagens (e seu elenco perfeitamente escalado). Assim, ao mesmo tempo em que é um grande filme, Stranger Things sabe ser uma série de TV: há tempo para que todos os núcleos tenham a atenção merecida, há espaço para que todos tenham importância dentro da história.
Novas adições, como os irmãos Max (Sadie Sink) e Billy (Dacre Montgomery), encontram espaço para crescer em um arco criado para traçar um paralelo entre ameaças fantásticas de outras dimensões e o terror mundano, com efeitos igualmente devastadores em escalas diferentes. Bob Newby, o personagem de Sean Astin, também completa a trama, sendo usado tanto com uma peça para colocar a narrativa em movimento, como uma figura emocional (somado ao fato de ser easter egg afetivo dentro desse universo). Murray Bauman (Brett Gelman), o louco da teoria da conspiração, é outro usado com propósitos claros, mantendo o clima de paranoia da guerra fria.
As pontas soltas ficam com o laboratório de Hawkins. Dr. Owens (Paul Reiser), por exemplo, é inexplicavelmente bonzinho no mesmo ambiente em que antes reinava o Dr. Martin Brenner (Matthew Modine). Seu papel é limpar a bagunça deixada pelo vilão, mas seu o posicionamento ameno deixa muitas perguntas para a próxima temporada sobre o experimentos do Departamento de Energia. O mesmo vale para as revelações sobre o passado de Eleven (Millie Bobby Brown). Seu episódio solo - “A Irmã Perdida” -, que propositalmente destoa dos outros, inicia a sua autodescoberta, o seu amadurecimento, mas deixa novas evidências e velhos fantasmas para um outro momento.
Mesmo sem a amarra simples do primeiro ano - o desaparecimento de Will -, a série se mantém coesa. O foco são as novas relações entre os personagens, dividindo grupos para criar os conflitos que desenvolvam suas personalidades. O complemento são as referências - Caça-Fantasmas, Aliens - O Resgate, Gremlins, Contatos Imediatos do Terceiro Grau, A Garota de Rosa-Shocking, O Ataque dos Vermes Malditos, O Exorcista, entre (muitas) outras do cinema, da TV , da música e dos games - que mexem com o imaginário do público, como se essa fosse uma grande brincadeira comunitária armada pelos Duffer. A série só peca quando tenta ser legal demais, quando a necessidade de inserir uma referência ou criar uma nova marca visual fica no caminho da lógica narrativa.
No todo, porém, Stranger Things 2 entende que não basta um orçamento maior para ser melhor e se mantém fiel às suas origens. A ameaça do Mundo Invertido cresceu, a série é mais ambiciosa visualmente, com belas tomadas abertas, bons efeitos visuais e uma montagem ágil, mas a conclusão permanece a mesma: é muito prazeroso assisti-la. Sai o impacto da surpresa da primeira temporada, fica a consistência para provar que esse não é um fenômeno vazio.
Criado por: Netflix
Duração: 4 temporadas