Ao assistir aos primeiros episódios de Succession algumas referências podem passar pela cabeça dos espectadores mais atentos. Isso tem uma razão simples. Se retirarmos todo o verniz da HBO, o que fica é uma premissa que já conhecemos muito bem: herdeiros de uma família muito rica brigam entre si para que um deles assuma os negócios. Em torno disso, filhos desajustados, um patriarca rígido e muitas intrigas e traições. Esse é um ponto de partida extremamente familiar e a despeito de toda a qualidade da produção, funciona da mesmíssima forma que em qualquer outro título sem o mesmo apuro técnico.
Há clássicos da dramaturgia mundial que tratam desse tema, como Rei Lear, de Shakespeare. Há filmes e séries que também tratam sobre isso, como a menos polida Empire, da Fox. E há – dadas as devidas proporções – até mesmo novelas que marcaram a TV brasileira usando essa mesma base dramatúrgica. Olhando em perspectiva, o que Jesse Amrstrong, que criou a série, pretende com ela é pegar esse grande filão e dar a ele uma vida contemporânea, envolta no mais fino trato do mercado seriado. A HBO assumiu esse compromisso e os resultados, apesar de terem tardado a aparecer, apareceram.
Todas essas comparações não vem com a intenção de diminuir o impacto positivo de Succession entre as melhores séries dos últimos dois anos. É fato que em 2018, durante sua primeira temporada, a série passou completamente despercebida pela audiência e pelas premiações. Esse talvez tenha sido um reflexo da sensação de excessiva familiaridade que era proposta pelo roteiro, ainda que ele fosse muito bem escrito. Agora, ao final de sua segunda temporada, Succession se expandiu e começou a passar pelo radar de todos os interessados em boas histórias. E, então, veio o primeiro Globo de Ouro.
Do caos ao caos
Na primeira temporada tudo é uma questão de tirar o papai da jogada. Logan Roy (Brian Cox) é o dono de uma empresa de mídia que está na casa dos bilhões e que se vê obrigado a começar a falar de sucessão depois que sua saúde se fragiliza. Percebam como Empire, da Fox, começa exatamente do mesmo jeito. A diferença é que Succession sobe alguns degraus na construção de seus argumentos. Tal qual nas histórias do prolixo Aaron Sorkin, o texto dos episódios é cheio de termos técnicos, política, referências e rapidez. O elenco foi escolhido com cuidado e há um imenso trabalho de fotografia para deixar todo o quadro geral da série o mais parecido possível com uma produção cinematográfica. E eles conseguem... Succession tem médias-metragens todas as semanas.
Kendall (Jeremy Strong), Shiv (Sarah Snook), Connor (Alan Ruck) e Roman (Kieran Culkin) passam a primeira temporada querendo superar as expectativas paternas. Kendall, principalmente, age com sua personalidade soturna e ambiciosa para retirar o pai do poder a qualquer custo. E enquanto todos os irmãos têm seus segredos e excentricidades típicas dos bilionários, Kendall chega a extremos que não só afetam o futuro da empresa, como também a própria vida. A série não se priva de ironizar com o fato de que, no final das contas, quando o medo bate à porta, é atrás do papai que todos eles vão.
A partir do exagero de Kendall no final da primeira temporada, a série avança para uma segunda temporada mais focada nas questões empresariais, com todos precisando se unir para impedir que o império construído por Logan acabe. Kendall reaparece em cena profundamente afetado pelo que lhe aconteceu na finale anterior, mas também sabemos que é apenas uma questão de tempo até que o monstro dentro dele seja novamente acordado. O pai e os filhos precisam lidar com escândalos, processos por assédio e com muita sujeira vindo à tona. É muito curioso, também, que a empresa é afetada de formas tão profundas que até mesmo a linha de sucessão vira um problema que eles tentam resolver considerando dar o cargo de CEO para pessoas de fora da família.
As brigas, gritos e humilhações aumentam na segunda temporada e reforçam aquele que pode ser o grande porém acerca de Succession: ninguém na série tem o mínimo de carisma, ninguém é nem meramente “gostável”. O atrapalhado sobrinho Greg (Nicholas Braun) deveria ficar com essa posição, mas o personagem é tão submisso que na maioria das vezes a vontade é que ele acabe pagando por sua incapacidade de prover sua cota de reviravoltas. Toda essa podridão que envolve a série é um ponto negativo, enfim. Não porque ela não seja realista, o que ela é, mas porque alguém mais humano e menos autocentrado daria um bem-vindo equilíbrio emocional para a produção.
A terceira temporada já está garantida e há um grande gancho que precisa ser esclarecido, o que pode mudar muito da dinâmica que vimos até agora. Isso seria bom. Succession tem uma extrema qualidade técnica e diálogos muito bem construídos. Contudo, um pouco mais de alma não lhe faria mal algum.