The Crown: real vs. ficção na 5ª temporada

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The Crown: real vs. ficção na 5ª temporada

Conversas entre Charles e Camila, grampos telefônicos e mais manchetes da Coroa

Omelete
9 min de leitura
18.11.2022, às 16H37.

A cada temporada que passa, The Crown parece deixar a Coroa Britânica cada vez mais incomodada. Nada de surpreendente aqui, claro, já que a série da Netflix se aproxima cada vez mais da atualidade, trazendo um retrato de acontecimentos próximos demais de todos nós. 

Durante sua 5ª temporada, The Crown passeia pelos anos 90 com alguns dos acontecimentos mais infames em torno da realeza, incluindo divórcios, grampos telefônicos, escândalos da moda e por aí vai. Mas quanto disso tudo é realmente tirado da realidade? Confira abaixo os principais pontos do 5º ano de The Crown e suas diferenças com o mundo real: 

O pedido por abdicação da Rainha e as iniciativas do Príncipe Charles

JOHN STILLWELL/POOL/AFP

O início da 5ª temporada de The Crown é marcado por certa melancolia em torno da Rainha, refletido principalmente por um desejo de mudança vindo da população do Reino Unido - e do Príncipe Charles. Mas ao contrário do que os primeiros episódios mostram, a imprensa britânica não parece ter se posicionado fortemente contra a monarquia durante a época retratada. A polêmica capa do Sunday Times - que é escondida da Rainha por algum tempo na série - até aconteceu, mas de modo BEM diferente. 

Intitulada “Para o melhor, ou para o pior?”, a pesquisa de 1990, conduzida por um órgão especializado e não pelo jornal, concluiu que apenas uma a cada quatro pessoas no Reino Unido era contra a Coroa, defendendo ainda que “não há dúvidas da importância [da Coroa] para a nação”. O resultado em relação ao Príncipe Charles é colocado também de modo contrastante - enquanto na série há um foco no desejo pela coroação de Charles, fato é que apenas 47% do público realmente era a favor da coroação do filho da Rainha Elizabeth II - e com um importante asterisco: “em algum momento do futuro”. 

O ex-primeiro-ministro do Reino Unido, John Major, inclusive rebateu a 5ª temporada de The Crown enfaticamente, detalhando como nunca houve nenhuma conversa entre ele e o Príncipe Charles em que o futuro monarca detalhasse seus anseios pelo trono, como retratado na reta inicial do novo ano. Na vida real, Major - que tem um papel bem importante na temporada - descreveu a produção como “um grande absurdo” [via The Guardian]. 

O relacionamento de Princesa Diana e Hasnat Khan

Como The Crown mostra, a Princesa Diana realmente esteve envolvida com o médico Hasnat Khan, mas surpreendentemente a série da Netflix resume - e muito - a relação entre os dois. O encontro inicial parece fiel, já que Lady Di realmente conheceu Khan em 1995, enquanto acompanhava sua amiga e acupunturista Oonagh Shanley-Toffolo no hospital. A partir daí, Diana realmente passou a visitar o local com frequência até que finalmente conseguiu um momento a sós com o cardiologista [via Elle].

O relacionamento, no entanto, durou bem mais do que The Crown retrata. Ao fim da 5ª temporada, a Diana de Elizabeth Debicki diz ter “afastado Khan”, mas na realidade os dois saíram por um período de quase dois anos, incluindo uma fase longa após a transmissão da sua entrevista para a BBC. Outra curiosidade também fiel é que Diana usava uma peruca morena para poder sair em público disfarçada com Khan. 

De acordo com a biografia The Diana Chronicles, o relacionamento enfrentou dificuldades por causa do comprometimento de Khan com seu trabalho e a resistência da família do médico em permitir um casamento com uma mulher nem paquistanesa, nem muçulmana. Os dois ficaram juntos, supostamente, até 1997, pouco antes da Princesa se envolver com Dodi Fayed. 

Margaret e Peter Townsend realmente se reencontraram?

DAVID THOMSON / AFP

Sim. O triste romance entre a Princesa Margaret e Peter Townsend, retratado nas primeiras temporadas de The Crown, teve o seu momento “remember” durante o 5º ano, e isso é porque os dois amantes realmente se reuniram em 1992. 

Não há registros de uma carta ou de um evento da Coroa em que os dois tenham se encontrado, mas Margaret e Peter almoçaram juntos no Palácio de Kensington naquele ano, e relatos divergem sobre os detalhes do acontecimento. Enquanto uma biografia da Princesa detalha que dois amigos de Peter estavam presentes e desconfortáveis, outro diz que o casal ainda passeou pelo jardim junto depois. Um consenso entre os relatos é que, após o encontro, Margaret disse que Peter “não havia envelhecido nada” [via VF]. 

O antigo amante de Margaret morreria três anos depois, em 1995.

A relação entre Philip e Penny Knatchbull

GLYN KIRK/AFP

A 5ª temporada de The Crown tem um foco claro na separação de casais, discutindo a divergência de interesses e a naturalidade com a qual cônjuges acabam se distanciando com o passar do tempo - mesmo que não se divorciem. O exemplo maior disso é Philip, que passa grande parte da temporada amadurecendo uma amizade íntima com Penny Knatchbull.

Assim como a série retrata, Penny (esposa do afilhado de Philip, Norton Knatchbull) é 30 anos mais jovem que Philip e realmente se aproximou do marido da Rainha após a morte de sua filha, Leonora, que morreu de câncer pouco tempo depois da viagem de Penny e Norton com Charles e Diana. 

Amiga próxima de Philip, ela também era uma entusiasta da prática de andar de carruagem, mas ao contrário do que The Crown parece insinuar, Penny nunca causou turbulências entre o casal Real. De acordo com o ex-secretário de imprensa da Rainha, "a realidade é que Penny era uma amiga antiga de toda a família" [via Elle]. 

Claro que é impossível saber exatamente o que se passa entre quatro paredes, mas fato é que Penny foi uma das 30 pessoas presentes no velório de Philip (a cerimônia foi reduzida por conta da Covid-19) e continuou próxima da Rainha Elizabeth II mesmo após a morte do Príncipe. 

Os Romanov e o DNA de Philip

O episódio 6 de The Crown nos leva ao passado para recontar uma história que realmente ganhou vida com a presidência de Boris Yeltsin na Rússia. Surpreendentemente, a narrativa entre a Coroa Britânica e os Romanov é uma bem fidedigna da 5ª temporada. 

Em primeiro lugar porque sim, o Rei George V não auxiliou seu primo, Nicholas - o último Czar da Rússia - a conseguir exílio no Reino Unido na época da Revolução Russa. Apesar das negociações através da embaixada e com o Primeiro-Ministro da época, foi o monarca que impediu a viagem da família, por medo de protestos populares. 

E assim como mostrou The Crown, também, o Príncipe Philip realmente forneceu o DNA para identificar os restos mortais dos Romanov. Philip, assim como a série mostra, era tataraneto da irmã de Alexandra (esposa de Nicolau). 

John Major realmente foi mediador do divórcio de Diana e Charles?

ANDREW MATTHEWS/Pool/AFP

Um dos fatos mais estapafúrdios da 5ª temporada de The Crown - a ideia de que o Primeiro Ministro da Inglaterra não teria nada mais importante para fazer e poderia servir como mediador de um divórcio - tem também algum pé na realidade. Assim como mostra a série, John Major realmente tentou aconselhar o casal e esteve envolvido nas conversas de separação, mas de acordo com a sua biografia, Major: A Political Life, "qualquer conselho que Major pudesse dar era inútil" [via Esquire]. Ao contrário da produção, portanto, a Rainha nunca pediu uma posição oficial de Major, e seu papel era meramente amigável. 

A ligação entre Charles e Camila: o Tampongate

JOHN STILLWELL/Pool/AFP

Um dos momentos mais escandalosos da 5ª temporada de The Crown foi, realmente, um dos maiores escândalos para a Coroa Britânica até hoje. A ligação telefônica entre Charles e Camilla Parker Bowles aconteceu quase literalmente como retratado em tela, e se tornou mais tarde conhecida como "Tampongate". 

Em 1993, a imprensa britânica publicou a transcrição da conversa que aconteceu em 1989, enquanto Charles e Camilla ainda eram casados com outras pessoas (Diana e Andrew Parker Bowles). O ponto que a imprensa focou é o mesmo que a produção da Netflix dá ênfase: o conteúdo mais íntimo e sexual, em que Charles sugere retornar em outra vida como um absorvente interno para ficar o mais próximo possível de Camilla. 

Mas a questão principal do Tampongate, para além da intimidade, é outra: foi nessa longa conversa (muito maior do que retratada no episódio de The Crown) que ficou claro o relacionamento extraconjugal, os mecanismos por trás dos encontros (na conversa, Charles e Camilla arranjam pontos de encontro em casas de amigos), o conhecimento geral que pessoas próximas do casal tinham do caso e mais do que tudo, o romance entre os dois. A transcrição completa realmente mostra um casal absolutamente apaixonado - que, como tradição, não consegue decidir quem desliga primeiro. 

O telefone da Diana estava grampeado?

TORSTEN BLACKWOOD/AFP

Uma das tramas mais intrigantes da 5ª temporada é a desconfiança de Diana de que seu telefone estaria grampeado e que haveria alguém ouvindo suas conversas. É um fato um pouco mais difícil de ser comprovado, mas a suspeita da Princesa em si é certamente baseada na realidade: anos após a sua morte, o secretário privado de Diana disse que ela "claramente" acreditava que seus telefonemas estavam sendo gravados e chegou a mudar de número por isso [via The Guardian].

Também, na biografia Diana: Her True Story, de Andrew Morton (cuja escrita é retratada também na 5ª temporada), o autor relembra as desconfianças: "Quando Diana, Princesa de Gales, falava ao telefone - o que era frequente - no meio da conversa ela falaria de repente 'oi garotos, hora de trocar a fita'" [via RT]. 

Na realidade, incidentes de vazamento de conversas telefônicas de Diana aconteceram e não foram retratadas em The Crown. Semelhante ao que se passou com Charles e Camila, Diana teve uma conversa privada publicada nos jornais em 1992, no que passou a ser chamado de "Squidgate". 

A conversa vazada entre Diana e seu amigo James Gilbey passa por temas privados - desde seu descontentamento com a família Real até o medo de gravidez - e temas corriqueiros, como programas televisivos. Apesar de suspeitas de que a conversa teria sido tanto gravada quanto divulgada por membros da Coroa que buscavam prejudicar a imagem de Diana, nada nunca foi comprovado neste sentido. Até onde sabemos, a conversa foi gravada por amadores, assim como aconteceu com Charles. 

A entrevista de Diana realmente aconteceu em 5 de novembro?

The Crown é fã de metáforas e símbolos, e a data da entrevista de Diana à BBC não foge disso. O paralelo entre a reportagem e o atentado de Guy Fawkes contra o Parlamento em 5 de novembro é citado diversas vezes - e a conversa explosiva de Diana realmente aconteceu na mesma data. Segundo registros da BBC, a entrevista foi gravada no Palácio de Kensington em 5 de novembro de 1995. 

A entrevista completa teve 54 minutos de duração e é possível encontrar a transcrição da conversa, mas apenas pequenos trechos estão disponíveis na internet. A BBC não disponibiliza a conversa oficial na íntegra, possivelmente por conta dos fatos descritos no próximo item:

As ilegalidades de Martin Bashir para entrevistar Diana

CARLO ALLEGRI/GETTY IMAGES VIA AFP

Uma das descobertas mais recentes que acabou aparecendo na 5ª temporada de The Crown é a absoluta falta de ética e a ilegalidade da BBC para conseguir a entrevista com Diana. E essa trama é 100% real. 

Em 2020, uma investigação sobre os métodos da BBC pesquisou as anotações do Conde Spencer, irmão de Diana, durante as reuniões com Martin Bashir, e revelou as absurdas histórias contadas pelo jornalista para ganhar a confiança da Princesa. De acordo com o Telegraph, as falsas alegações incluem: que o Príncipe Edward tem Aids; que as linhas telefônicas de Diana estavam grampeadas; que planos estavam em ação para destruir a família Spencer; que a Rainha estava mal de saúde; que ela era seguida constantemente, e por aí vai.

Mais do que inventar histórias para obter confiança da Princesa, Bashir realmente forjou documentos bancários para convencer o Conde Spencer de que pessoas próximas estavam sendo pagas para vigiá-los. O irmão de Diana insistiu na investigação da conduta da BBC precisamente porque sem estes documentos ele nunca teria apresentado Bashir à Diana [via BBC].

Depois de ter sido inocentado em uma investigação duvidosa em 1996, conduzida pela própria BBC, Bashir deixou a emissora no meio de 2021, após as novas evidências (as anotações do Conde) terem sido reveladas. A investigação concluiu que Bashir é culpado de enganação e violação da conduta editorial da BBC. 

Como reparação de danos, em 2022 a emissora anunciou a doação dos lucros que obteve com a entrevista para instituições de caridade com as quais Diana se envolveu durante sua vida. A BBC também devolveu os prêmios que recebeu pelo programa, incluindo um BAFTA por melhor talk show. 

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