Não é segredo pra ninguém que jogou The Last of Us que a base da história usa uma série de arquétipos comuns a clássicas narrativas de apocalipse. O mentor e a aprendiz, o pai traumatizado, a comunidade isolada, as decisões desumanas, a cura inalcançável e por aí vai. O fato do jogador poder controlar e, às vezes não controlar, a atitude dos personagens enquanto está no game é o que fez a jornada algo tão diferente no mundo do entretenimento. E apesar de muitos fãs esquecerem que não é possível replicar o game totalmente na série, Neil Druckmann e Craig Mazin fizeram questão de deixar claro logo no primeiro episódio que eles nunca se esqueceram disso.
Na verdade, essa dupla já deixou claro que para eles a série é uma versão alternativa da mesma história, com mudanças profundas que, mesmo que chegue num desfecho idêntico, trarão caminhos que nunca foram abordados no jogo. A série é especial justamente por isso, pela coragem e entendimento pleno do que é uma adaptação. E o maior exemplo de todos, depois do histórico e incrível episódio Bill e Frank, foi a decisão de apresentar Abby tal qual uma vilã tradicional e com seu contexto estabelecido.
Diferente do jogo, a segunda temporada assume que o espectador precisa saber de início os motivos que fazem Abby ir atrás de um assassino, enquanto constrói a relação problemática de Ellie e Joel. Isso acontece por uma coisa extremamente simples: no game, a intenção é a estranheza de tirar o controle, colocar você na pele de quem você nunca viu e ao longo de mais de trinta horas você agir e ser obrigado a entender os motivos daquela atitude. Na série, não existe controle. Não existe estranheza. Não existe atitude do jogador. E por isso, por mais que o fã queira sentir a mesma coisa novamente, não é possível de acontecer. The Last of Us: Parte 2 é uma obra tão incrível justamente por isso. Não tem como replicar a sensação, e o desafio está em trazer uma nova abordagem para este mesmo conflito.
Druckmann mostra que entende isso também quando inclui uma psicóloga para discutir com Joel a relação dele com Ellie. De antemão, parece uma decisão só para explicar o óbvio, já que o espectador sabe o que aconteceu na primeira temporada. A novidade vem quando o roteiro inclui Eugene como uma vítima de Joel, adicionando um drama da própria psicóloga ao debate inteiro. O roteiro tenta dar contornos mais profundos para as decisões dos personagens, sem que tudo seja sobre a jornada que viveu-se no game - e não é porque a história dele não poderia só ser repetida, é porque um jogo vai além da história, e tem o espectador como agente.
A série tem, como qualquer obra, erros e acertos, mas ela nunca poderá ser acusada de covardia ou complacência. Em uma era em que Hollywood tende a escolher o seguro, a zona de conforto para os fãs que vivem de nostalgia precoce como uma reafirmação da própria identidade, The Last of Us repete a fórmula da mudança pelo choque, pela provocação, tal qual foi a jornada da franquia nos games. Fidelidade maior que essa, convenhamos, não existe.
Quem quer igual que jogue o jogo.