Medo, humor e hormônios: essa sempre foi a receita simples e vencedora do terror teen. O subgênero pode ser quase tão velho quanto o próprio cinema, mas floresceu nos anos 1980, tanto em longas mais puxados para o lado aterrorizante (vide Sexta-Feira 13 e todos os slashers com vítimas adolescentes) quanto com outros mais mirados no público juvenil (vide Gremlins e sua miríade de imitações). Nas duas décadas seguintes, o legado foi carregado por títulos que variam de 13 Fantasmas a Eu Sei o que Vocês Fizeram, de A Casa de Cera a Premonição.
Acontece que, hoje em dia, o horror adolescente sobrevive em grande parte só às custas da nostalgia, como ponto de referência estético, em títulos como Stranger Things e Rua do Medo. O que diferencia Wolf Pack dessas e outras produções é que, nela, Jeff Davis parece estar se esforçando de forma genuína para resgatar os elementos morfológicos do terror teen. É algo que ele tampouco fazia, inclusive, em Teen Wolf, que - apesar do que a campanha de divulgação da Paramount+ deu a entender - não divide com Wolf Pack muito mais do que um roteirista e uma fascinação por lobisomens.
A nova criação de Davis acompanha Everett Lang (Armani Jackson), um dos muitos jovens que se veem em meio ao caos de um incêndio florestal gigantesco na Califórnia, onde é atacado por uma criatura misteriosa cuja mordida causa transformações estranhas em seu corpo. Ele divide essa condição com Blake Navarro (Bella Shepard), uma colega de classe com background familiar perturbado, e com os gêmeos Luna (Chloe Rose Robertson) e Harlan Briggs (Tyler Lawrence Gray), que já sabem que são lobisomens há algum tempo, mas ressentem o guarda-florestal Garrett (Rodrigo Santoro), que os encontrou na floresta quando crianças e os criou como se fossem seus filhos biológicos.
Complicar a vida desse núcleo principal é a função narrativa de Kristin Ramsey (Sarah Michelle Gellar), investigadora do departamento de bombeiros de Los Angeles, que chega para desvendar as circunstâncias suspeitas por trás do incêndio florestal. No primeiro episódio, o roteiro de Davis deixa óbvias as suas prioridades: passamos muito mais tempo conhecendo as circunstâncias familiares e particulares íntimos dos personagens adolescentes do que emaranhados na investigação de Ramsey, ou na missão perigosa de Garrett durante a catástrofe. É aí que entra a parte dos hormônios, é claro, com pelo menos um romance teen fortemente sugerido, enquanto a vida sexual de outro dos jovens se torna pretexto para uma cena ousada no segundo ato.
Já o medo é provido tanto pela direção competentemente climática de Jason Ensler, veteraníssimo da TV com créditos que vão de O Exorcista a 2 Broke Girls, quanto pela imaginação prodigiosa de Davis na hora de criar situações de horror, liberada principalmente pela falta de amarras do streaming. Wolf Pack é mais ousada em sua abordagem do sinistro (e mais generosa em seu uso do sangue cenográfico) do que Teen Wolf jamais se permitira ser, lembrando ao espectador que o horror teen sempre foi o lugar onde os limites do gore dentro das linhas do cinemão comercial americano foram testados.
A julgar por esse primeiro episódio, inclusive, Wolf Pack tem até uma marca muito própria de exploração do grotesco, se apoiando na fisicalidade dos animais e na estranheza que causa a presença - e a mutilação - dos seus corpos nos ambientes urbanos para desconcertar o espectador e, ao mesmo tempo, comentar sobre a invasão humana dos espaços naturais. Não que a série do Paramount+ seja um grande tratado ambiental, mas no nível de comentário pop ela funciona muito bem, pelo menos por enquanto, nesse sentido.
O único ingrediente que Wolf Pack realmente não consegue encontrar na sua replicação da fórmula do terror teen é o humor. O episódio piloto, intitulado “From a Spark to a Flame”, aposta em uma seriedade irrestrita, até mesmo na forma como tenta contornar (abraçar, nunca!) a falta de orçamento: se há certo charme trash nas cenas de ação com gráficos de PS2 da série, é porque ele é inevitável nessa era da mídia pós-irônica - nada na forma como essas cenas são filmadas, estruturadas e finalizadas indica uma autoconsciência emergente, uma ideia clara dos clichês em que elas podem se apoiar e das saídas estéticas que elas podem buscar.
E aí que a ansiedade evidente de Wolf Pack em fugir da sombra de Teen Wolf funciona contra ela. Por todas as suas flagrantes deficiências, a série anterior de Davis sempre pode se apoiar nas firulas formalistas do diretor Russell Mulcahy e na sensibilidade MTV que é parte essencial da sua base criativa para nos assegurar que ela nunca estava se levando a sério demais - e que, portanto, nós também não deveríamos. Talvez por um excesso de autoconfiança equivocado, a nova série de Jeff Davis começa recusando esse escape, e consequentemente negando ao espectador um entretenimento mais completo.