Jordan Peele rapidamente se tornou um dos nomes mais promissores do horror. Após ganhar um Oscar por Corra! (2017), seu primeiro filme como diretor, o cineasta voltou a assombrar com Nós (2019), e depois se envolveu na produção de inúmeros projetos de gênero. As obras de Peele costumam ter várias camadas ao combinar terror e comentário social.
Para ver suas influências antes de começar a ver seus trabalhos, ou então conhecer melhor suas inspirações, veja três obras indispensáveis para entender os filmes de Jordan Peele!
Key & Peele - “White Zombies”
Antes de se lançar como diretor, Jordan Peele escreveu e protagonizou o programa cômico Key & Peele, ao lado de Keegan Michael-Key. Lá, já apontava que suas obras iriam questionar preconceitos e o próprio gênero do terror, mesmo que através do humor.
Um pouco de contexto: décadas antes da reinvenção crítica por George Romero, os zumbis era representações bastante racistas. Criados com base em história fajuta e relatos questionáveis, os monstros nada mais eram do que uma perturbante alegoria à escravidão combinada com representações preconceituosas de religiões de matriz africana e seus praticantes. Um dos maiores exemplos dessa leva é Zumbi, A Legião dos Mortos (ou White Zombie, em inglês). O conflito do filme de 1932 não é um potencial apocalipse e nem nada do tipo, mas sim a ameaça da protagonista - uma jovem branca vivida por Madge Bellamy - ser transformada em uma escrava zumbi pelo vilão de Bela Lugosi (Drácula).
Em Key & Peele, o cineasta aproveitou para cutucar o passado dos monstros, como bem explica a pesquisadora Paula Gomes na palestra “Cinema de Terror e Crítica Social”. A esquete “White Zombies” - que brinca com o título original de A Legião dos Mortos - escancara o legado de preconceito por trás dos mortos-vivos ao retratá-los como racistas até no pós-vida. Vingança?
Assista à “White Zombies” acima.
Corra!, seu filme de estreia, também pode ser lido como uma alfinetada no filme clássico: se em Zumbi o problema era a protagonista branca ter sua mente invadida por “magia negra”, em Corra! o protagonista negro tem que evitar ter sua mente comandada por invasores brancos.
Corra! está disponível para streaming na Netflix.
Além da Imaginação - “A Imagem no Espelho” (S01E21)
Já para seu segundo filme, Nós (2019), Jordan Peele optou por uma trama sobre clones, e as implicações do levante das cópias. Para isso, o cineasta olhou para um clássico da década de 1960: Além da Imaginação.
O seriado de Rod Serling é bastante influente no audiovisual, especialmente no horror e na ficção científica com seus contos bizarros. O longa é Peele se inspira no capítulo 21 da primeira temporada, ”A Imagem no Espelho”. No episódio, exibido nos EUA em 1960, uma mulher fica presa numa rodoviária. Esperando seu ônibus, ela começa a reparar que seu reflexo no espelho têm vida própria - e, pior ainda, quer roubar o seu lugar no “mundo real”.
O episódio, assim como toda a série clássica, está disponível apenas em DVD.
Nós, por sinal, funcionaria muito bem como um capítulo de Além da Imaginação. Serling desde a década de 1950 já lutava pelo uso do comentário social no audiovisual, e sua série demonstra bem isso, com episódios tensos e questões atemporais. É fácil entender como isso influenciou a escrita de Peele, que também tem humor e toques do suspense de Alfred Hitchcock. Ironicamente, o cineasta mais tarde assumiu o lendário papel de Rod Serling para apresentar (e produzir) o reboot de The Twilight Zone de 2019, da (disponível no Brasil pelo Amazon Prime Video).
Nós está disponível para streaming no Telecine Play.
Horror Noire
Após Nós, Jordan Peele ainda não anunciou qual será seu próximo filme como diretor. Isso, é claro, não significa que ele não está ocupado. Na verdade, o cineasta está envolvido em ampla variedade de projetos, como roteirista e também produtor-executivo. De Corra! até hoje, já produziu Infiltrado na Klan (2018), vencedor do Oscar em Melhor Roteiro Adaptado; Hair Love (2019), vencedor do Oscar em Melhor Curta Animado; e Hunters, série da Amazon Prime Video sobre caçadores de nazistas. Pela frente ainda têm Lovecraft Country, seriado sobre jornada em meio à um país racista, e A Lenda de Candyman, filme de Nia DaCosta que reimagina o clássico estrelado por Tony Todd.
Não é regra, mas muito desses projetos têm algo em comum: cineastas negros. Após vencer o Oscar em 2018, Peele usou sua fama para colaborar com colegas e alavancar novatos promissores. Muito disso se dá pela falta de representatividade no audiovisual, algo especialmente delicado no gênero de terror (lembra da origem dos zumbis?). O diretor aproveitou sua relevância para trazer atenção ao tema quando participou de Horror Noire, documentário do Shudder que resgata a história do terror negro nos cinemas através de entrevistas com seus vários realizadores.
Infelizmente, como o Shudder não está disponível no Brasil, o documentário não foi lançado oficialmente, além de exibições na cidade de São Paulo. Já Horror Noire: A Representação Negra no Cinema de Terror, livro de Robin R. Means Coleman que serve como base para o especial, foi lançado no país pela Darkside Books.
Bônus: Key & Peele - “Non-Scary Movie”
Antes de começar a fazer filmes de terror, Jordan Peele na verdade tinha medo deles. Irônico, não? Em uma esquete, o diretor e seu colega Keegan Michael-Key brincaram com suas reações ao sair do cinema após assistir um filme assustador.