“Eu sei que, no futuro, eu vou olhar para trás e perceber que a época que passei fazendo Servant foi a mais incrível da minha vida”. Essas são as palavras de M. Night Shyamalan sobre o seu primeiro projeto na televisão, que se aproxima do final após quatro temporadas no Apple TV+. Conforme Servant aquece para a estreia dos seus capítulos derradeiros, exibidos a partir de 13 de janeiro na plataforma, o cineasta conta ao Omelete como a experiência mudou sua vida - e até sua forma de fazer cinema.
“Fazer uma série de TV me ensinou a pensar em uma história como um todo, e não como uma coleção de cenas ou mesmo sequências. Foi um grande amadurecimento para mim, entender que o que importa é o quadro maior”, aponta ele, complementando que o efeito deve ser sentido já em seu próximo longa, Batem à Porta, que chega aos cinemas em 2 de fevereiro. “Quando vocês assistirem, talvez percebam que o filme parece mais fluido do que meus anteriores, como se fosse um único movimento narrativo durante as 2 horas”.
Mesmo tendo vivido uma transformação tão intensa em Servant, no entanto, Shyamalan confessa que não sustentaria uma carreira dividida entre cinema e TV por muito tempo: “Sinto que estou praticando dois esportes ao mesmo tempo, e amo os dois! O esporte que eu cresci praticando, nos cinemas, com histórias de 2 horas de duração; e este outro esporte, que é novo pra mim, mas realmente me seduziu”.
“O interessante é que, quando estou muito engajado em vários projetos ao mesmo tempo, fico exausto e preciso dar cada gota de energia que eu tenho para isso, mas a pressão também revela ideias e cores únicas que, em outras circunstâncias, talvez não aparecessem no desenvolvimento de cada projeto”, completa. “A minha conexão com a história, com as pessoas que estão contando essa história comigo, com a forma de arte na qual estou trabalhando... tudo se transforma”.
Essa escolha por oscilar entre a extrema exaustão e a abundância criativa combina com um diretor que declara “odiar se sentir seguro”. “Seja nos filmes ou em Servant, as histórias que eu conto sempre têm algo que pode, inerentemente, fazê-las não funcionar para o público ou para o sistema. Esse perigo me incentiva, de certa forma. Eu gosto de fazer minhas acrobacias sem uma rede de segurança”, diz ele.
Em Servant, o elemento de perigo apareceu de várias maneiras: “Seja a mistura de terror e comédia, ou o fato de ser um thriller com episódios de meia hora, ou o fato de quase nunca deixarmos a casa da família e os quatro personagens principais... A criatividade se aproveita desses obstáculos, desafios, e floresce. [...] Quando o público ou os críticos vêem esse tipo de coisa, eles têm uma sensação de estranhamento. Não é exatamente algo que você já viu antes. Não dá para sair de um episódio e perguntar: 'Será que esse é um bom hambúrguer?'. Cara, não é nem um hambúrguer!”.
Shyamalan é o primeiro a admitir que não tinha o final de Servant em mente quando a série começou, em 2019. “Uma das melhores coisas sobre fazer TV é que a mitologia pode evoluir com o tempo. Quando começamos, eu tinha uma ideia muito exata de como queria que a família principal se estruturasse, de quem eles eram como personagens... todo o resto foi mudando”, declara.
“A TV não é uma forma de arte descartável”
Apesar da frase acender alertas na mente de quem já acompanhou séries com finais, digamos, decepcionantes, Shyamalan explica: “Eu acho isso lindo, porque te permite aprender com seus colaboradores e sua história, entender para onde ela se encaminha organicamente. Os personagens te guiam pelo caminho, de certa maneira. [...] E no caso de Servant, especificamente, nós honestamente não precisávamos terminar agora”.
O cineasta declara que a série só cresceu em audiência com o passar das temporadas (“As pessoas diziam que eu estava esticando a série demais, mas os números foram aumentando!”), que toda a equipe se dava bem no set, e que os executivos do streaming teriam ficado muito felizes se a história continuasse para além da 4ª temporada. No entanto… “A história nos disse que estava próxima do fim. Nós decidimos honrar isso - e espero que, no futuro, quando os fãs olharem para esses 40 episódios, consigam dizer que eles têm integridade", diz Shyamalan.
Ele ainda avisa que, na temporada final, os fãs vão encontrar uma versão “com esteróides” de Servant: “Tudo ficou maior neste desfecho - até fisicamente, no caso dos roteiros, que estavam mais grossos do que nunca - e muito mais difícil de executar. Isso porque não havia mais motivo nenhum para nos segurarmos, mantermos alguma aura de mistério. São episódios que só poderiam ter sido feitos em uma temporada final”.
Nesses 4 anos de “intensivão” de TV (“Ainda tenho muito o que estudar”, desconversa Shyamalan), uma lição ficou clara para o diretor: “Esta não é uma forma de arte descartável. [...] É fascinante para mim que as pessoas assistam a alguma coisa na televisão enquanto estão arrumando a casa, ou andando na esteira... Qual é a parte do seu cérebro que você está dando para aquela série?”.
“Acho que, tanto na TV quanto no cinema, eu tendo a ir contra a sabedoria popular de que é necessário distrair o espectador, estimular a mente dele o tempo todo com imagens fortes”, continua. “Eu vou para o outro lado, tento ser arrítmico, tento fazer algo que faça o espectador tirar os olhos do celular, porque ele não consegue entender tudo imediatamente. Me dê toda a sua atenção, por favor, porque você faz parte disso aqui tanto quanto eu”.
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