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O adeus a The Killing entre cemitérios, corvos e segredos tóxicos

"Somos a barata da TV paga", brinca Joel Kinnaman sobre cancelamentos e retornos da série de detetives - Omelete visitou o set da série no Canadá

03.08.2014, às 12H54.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H47

A garoa gelada cai fininha sob o céu cinzento de uma manhã de abril em Vancouver, Canadá. Esse clima é sinônimo de desconforto para qualquer habitante da cidade, mas motivo de sorrisos na equipe de produção da série de televisão The Killing. "É o tempo perfeito para nosso programa", celebrava um dos assistentes de produção, quase oculto em seu capuz e com um copo de café quente nas mãos. O cenário da minha visita ao set do programa também não poderia ser mais propício para a série, um cemitério nos arredores da cidade, com corvos grasnando entre as lápides, onde Stephen Holder (Joel Kinnaman) e Sarah Linden (Mireille Enos) visitavam o túmulo de uma das vítimas da temporada passada.

The Killing 4a temporada 24Abr2014 02

Na cena, o detetive conversa com um suspeito do crime e com a diretora da escola dele. Algo aparentemente simples, mas que o diretor Jonathan Demme (dono de um Oscar por O Silêncio dos Inocentes em 1991) insistia, apesar dos elogios ao elenco, em refazer. "Lindo, perfeito! Vamos tentar de novo", dizia, sempre conversando entusiasmado com Kinnaman e correndo de um lado para o outro com uma espalhafatosa jaqueta laranja e tênis combinando.

Observando tudo, com um olhar de carinhosa preocupação, estava a produtora executiva da série, Veena Sud. "É um presente voltar dos mortos duas vezes", me disse, se referindo ao fato de que The Killing foi cancelada duas vezes antes de conseguir na Netflix a chance de encerrar a história. "A primeira temporada terminou abalada, pois tentamos contar uma história de uma maneira diferente e pouco usual. Hoje em dia tenho enorme gratidão pelo nosso público, que permaneceu conosco e foi fiel à nossa visão criativa. Depois daquele período turbulento, é uma benção que tanta gente tenha permanecido".

"Nós somos a barata da TV a cabo, nos recusamos a morrer", brincou Kinnaman. "Acho que isso é um testamento à tenacidade dos fãs e à honestidade dos personagens e das emoções do programa. Ele merecia um desfecho". Mireille, na ocasião grávida de 5 meses, concordou. "Eu fiquei emocionada quando soube que voltaríamos. Eu adoro poder voltar a viver Sarah e resgatá-la".

The Killing 3a temporada Fotos promocionais 06

Segundo Veena, Holder e Linden foram deixados na temporada passada em um momento trágico. "Até aqui na série as questões sempre foram sobre os 'caras maus'. Mas e quando você se transforma em um deles? Esta temporada nos possilibita a oportunidade de encerrar a história, de explorar o que acontece quando você está em um vale de trevas assim", seguiu. "Teremos algumas revelações importantes no meio da temporada. E algumas reviravoltas na relação deles. Acho que o final será surpreendente".

"Nesta temporada, os predadores viraram a presa", explicou Kinnaman. "Sarah e Holder terminaram a temporada passada de maneira que jamais imaginariam. Eles agora estão ainda mais inseguros do que o usual nas suas personalidades ferradas. A intensidade dessa nova temporada é insana". Para Mireille, a relação dos dois será terrivelmente abalada, pois segredos são tóxicos e agora eles têm um juntos e "nada bom pode sair daí. Você é tão doente quanto os segredos que esconde, não é?"

The Killing 4a temporada Joan Allen 26Jun2014

A manhã terminou e fui para a segunda locação do dia, a Universidade da Colúmbia Britânica. Uma área ao fundo da reitoria, com um belo jardim e um sobrado antigo, serviram de cenário para a escola militar St. Georges Academy. Demme, mais à vontade sem o casaco que usava pela manhã, graças à temperatura mais amena da tarde, corre de um lado para o outro, com os braços abertos em frente ao rosto, simulando o enquadramento da câmera. Subitamente para, conversa um pouco com Kinnaman e Mireille, e volta a andar. "Ele ama fazer televisão", diz um dos produtores. Está na cara que sim.

Tive que esperar quatro horas pela oportunidade de conversar novamente com os atores. A cena em que estavam trabalhando, uma das últimas da série, envolvia muita emoção e ambos estavam concentrados demais. Nela, os protagonistas se encaram durante uma conversa tensa. Ela grita alguma coisa e, subitamente, "cling", "catlack", puxa uma arma. Enquanto a aponta na direção de Holder, Linden continua falando, sua voz embargada pelo choro. Estou longe demais pra ouvir, mas parece que os dois detetives realmente chegaram ao fim. Ainda que Demme tenha elogiado as sequências, a série tem um visual específico, sempre melancólico e com umidade no ar, e o sol teimava em sair, forçando assistentes a molharem os degraus e a varanda do sobrado. "Agora é só esperar uma nuvem", disse olhando o céu um dos assistentes.

Antes das cenas da noite pude enfim discutir a grande novidade da série para seu desfecho, o lançamento simultâneo pela Netflix. Para Kinnaman, o panorama da TV está mudando. "É a evolução natural da televisão, seguindo o padrão natural do que começou com a pirataria e o mercado de home video. As pessoas não assistem mais as séries semanalmente. Elas escolhem. Os caras foram muito corajosos em lançar House of Cards de uma só vez e eu achei brilhante. É assim que eu mesmo assisto aos meus programas. Gosto de ver 3 ou 4 episódios de uma vez. Fiquei feliz por The Killing estar nesse formato para o final. Eles estão mudando o jogo".

"Histórias hoje podem ser contadas em períodos mais curtos, com menos episódios", celebrou Veena. "Sentimos que esta temporada ficaria perfeita se contada em apenas seis episódios, já que ela é tão intensa e há muito mais em jogo para os nossos heróis". Segundo ela, a Netflix está na vanguarda absoluta da narrativa televisiva e em perfeita sintonia em como o público vê seus produtos hoje. "É um deleite ter esta temporada com eles e poder lançar todos os episódios ao mesmo tempo, sem intervalos comerciais. É uma experiência que os criadores ainda estão aprendendo a explorar. Hoje ainda usamos certos elementos comuns à televisão, como sequência de abertura, créditos a cada episódio, fades para os comerciais, mas a nossa série pode ser vista como um grande filmes de seis horas hoje. Atualmente os roteiristas pensam em uma estrutura de quatro atos a cada hora para séries de TV. Já o cinema usa estrutura em três atos. Esse novo formato dá muito mais possibilidades... pontos de virada completamente distintos, coisas assim. Acho que muita coisa vai mudar. A Netflix é a Terra Prometida da criatividade narrativa! Isso é só o começo", concluiu.

A quarta - e última - temporada da série The Killing estreia na Netflix no dia 1º de agosto.

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