The Last of Us: Terceiro episódio atinge excelência com Bill e Frank

A cada episódio, The Last of Us tem provado que vai além de uma fiel adaptação do jogo da PlayStation e, com o terceiro e recém-lançado episódio, a série da HBO explora e altera a narrativa, sem perder a linha, e eleva o brilhantismo da franquia.

Quem esperava mais ação, com Joel (Pedro Pascal) e Ellie (Bella Ramsey) encarando infectados, pode se decepcionar, mas será surpreendido com um dos episódios mais comoventes da série - que vai pegar até os fãs do game de surpresa.

Confira a seguir como foi o episódio [mas cuidado, há spoilers adiante]:

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Ao contrário dos episódios anteriores, o terceiro capítulo não começa com um prólogo ou uma volta no tempo até o momento do surto de Cordyceps. Ele logo nos introduz Joel e Ellie a quilômetros de distância de Boston, a caminho de onde estão Bill (Nick Offerman) e Frank (Murray Bartlett).

A abertura mostra Joel perto do rio, catando pedras e empilhando na beira, em uma possível tentativa dele de equilibrar algo em um mundo que se encontra totalmente desequilibrado; ele logo encontra com Ellie, que está encolhida e coberta em uma árvore. O silêncio entre eles escancara a inquietação após o sacrifício de Tess (Anna Torv) no episódio anterior. Joel acha que Ellie irá se desculpar, mas é surpreendido novamente com a garota se mostrando tão parecida com ele. Ela quebra o gelo e afirma orgulhosamente “não me culpe por algo que não é minha culpa”, conscientizando Joel de suas escolhas.

No caminho, a série consegue resgatar do jogo os momentos mais amenos para abrir espaço ao diálogo e interações entre eles, com a jovem ainda perguntando sobre a vida de Joel, enquanto o mesmo responde secamente. Pelo caminho bucólico, eles encontram uma loja abandonada e adentram em busca de suprimentos. Ellie retorna ao lado juvenil e nerd ao se mostrar interessada no arcade quebrado de Mortal Kombat.

Esse momento também separa a dupla, com Joel conduzindo uma busca na loja enquanto Ellie vai até os fundos e encontra um alçapão, onde ela se depara com o que menos esperava: uma caixa de absorvente íntimo (um item de luxo para o contexto que vivem) e um infectado preso aos escombros. Com sua curiosidade, Ellie observa e contempla por um momento um humano infectado pelo Cordyceps, mostrando de perto o formidável trabalho na maquiagem de prótese de Barrie Gower (que trabalhou em A Casa do Dragão e foi responsável pelo Vecna de Stranger Things) com o bolor e cogumelos brotando da cabeça da pessoa. Por fim, a garota mata pela primeira vez uma criatura com sua inseparável faca e retorna omitindo esse fato ao Joel.

Na sequência em que a dupla sai do lugar e volta para a estrada, a adaptação confirma a teoria dos fãs sobre a possível origem do surto na série. Joel explica para a Ellie que a teoria mais provável é que tenha se originado de alimentos como grãos e farinhas, contaminados pelo Cordyceps. Essas matérias-primas são commodities essenciais sendo exportadas e importadas ao redor do mundo, o que facilitaria a propagação da infecção. Esse diálogo é importante ao demonstrar como a série não dá ponto sem nó e se preocupa para criar a narrativa apocalíptica através da ciência.

Para relembrar, no primeiro episódio, Joel e Sarah (Nico Parker) comem ovos no café da manhã, uma vez que não há a mistura para fazer as panquecas de aniversário, enquanto Tommy (Gabriel Luna) se atrasa e come as sobras do dia anterior; eles também recusam os biscoito dos vizinhos, dos quais a idosa se alimenta - sendo provavelmente esse o motivo de não serem os primeiros infectados. Já o segundo capítulo se passa em Jacarta, que foi o epicentro do fungo, e mostra que os primeiros casos foram em uma fábrica de grãos - sendo o maior moinho do mundo, tornando esse “o substrato perfeito” segundo a professora de micologia que protagoniza o trecho.

A primeira parte se encerra com o sobrevivente explicando para Ellie os dias seguintes ao surto e como as cidades do interior agiram, sendo uma perfeita transição para o passado e uma introdução para a jornada de dois novos personagens da franquia - e um rosto conhecido para os fãs.

O flashback nos introduz a Bill, um sobrevivencialista que se preparou a vida toda para um apocalipse, e quando chegou, teve o seu momento de brilhar. Em tom de humor, acompanhamos como ele conseguiu isolar sua casa e os arredores com muitas armas de fogo, armadilhas, e andou pela cidade abandonada para pegar desde galões de gasolina, um gerador de energia e o que mais precisasse para viver sem escassez no mundo apocalíptico que surgiria.

Porém, não houve armamento e cercas elétricas que prepararam Bill para o que mais o abalaria. Ao cair sem querer em um buraco que é usado como armadilha de infectado, Bill conhece Frank, um outro sobrevivente que estaria a caminho de Boston, mas se tornou seu parceiro amoroso. A construção desse relacionamento é um deslumbre, com Bill sendo desarmado aos poucos pela alegria contagiante de Frank, principalmente quando eles tocam no piano “Long Long Time”, com trecho tão potente como "Love will abide, take things in stride". Essa canção será a trilha do casal nos momentos seguintes.

Com o tempo, surgem as desavenças entre o casal; Bill ainda tem seu lado teimoso e não abaixa a bola para o perigo de fora, enquanto Frank tem uma postura mais amigável. Frank conhece Tess pelo rádio e, para formar uma parceria de contrabando, as duas duplas se conhecem pessoalmente durante um almoço com vinho na casa de Bill e Frank - um momento totalmente alheio ao mundo destruído e cheio de infectados. Frank e Tess acabam se tornando grandes amigos, enquanto Bill e Joel são mais reservados e lidam como negócios à parte.

Em outro salto no tempo, a série apresenta as dificuldades do casal em obter suprimentos, o que não os impede de demonstrarem carinho e afeto em coisas simples como a plantação de morangos surpresa que Frank faz para Bill - ou com frases tão tocantes como a de Bill, que revela que “nunca senti medo antes de te conhecer”, se permitindo raramente ser vulnerável em um mundo hostil.

Apesar da frigidez, o sobrevivencialista demonstra seu afeto inclusive em momentos mais tensos, como o conflito que acontece quando um grupo tenta invadir o território dos dois. Bill é atingido no tiroteio e Frank o resgata e presta atendimento médico. Sentindo que está em seus momentos finais, Bill pede para Frank chamar Joel para morar com ele, pois não quer que o parceiro fique sozinho.

Com outra transição inteligente, se passam mais dez anos até o momento atual, em 2023. O casal está mais velho, e Frank, debilitado devido ao Parkinson, decide pôr um ponto final em sua vida. Em uma sequência arrebatadora, acompanhamos o último dia com momentos delicados com um casamento íntimo, um passeio pelo bairro e um jantar fino acompanhado do vinho cheio de remédios. De surpresa, ou nem tanto, Bill também decide colocar um fim em sua vida, pois sente que cumpriu seu papel ao sobreviver ao pior que o mundo ofereceu ao lado da pessoa que mais amou, justificando: “Você foi o meu propósito”.

Esse desfecho emocionante pega todos de surpresa ao mostrar Bill e Frank totalmente diferentes do jogo, que tem um final mais sombrio e triste. Como uma pessoa que jogou, acredito que serão poucos que sentirão falta dessa narrativa. Com essa mudança, a jornada do casal traz uma mensagem que será reforçada no terceiro e último arco do capítulo.

De volta a Joel e Ellie, os dois finalmente chegam ao território do casal. Sem saber o paradeiro dos dois, eles encontram a carta deixada por Bill e endereçada para “a pessoa que encontrar a carta, que será provavelmente Joel”. Como uma espécie de premonição dos acontecimentos, o sobrevivencialista deixa à disposição suprimentos, armas e o carro. Também é explicado que o rádio e computador foram programados para tocar músicas dos anos 80 para Joel, sendo esse o motivo da música do Depeche Mode no fim do primeiro capítulo.

Na carta, Bill se compara a Joel e diz que eles são pessoas que servem para proteger os outros. Ele pede para Joel cuidar de Tess, ecoando as palavras da contrabandista no episódio anterior para o personagem de Pascal, que deve “salvar quem pode salvar”. Isso traz à tona o sentimento de perda de Joel, mas ele tenta disfarçar perante Ellie.

Como forma de se distanciar, Joel propõe três regras para Ellie: Não falar sobre Tess, não falar para ninguém sobre a “condição” da garota e fazer tudo o que ele mandar. Com isso, Joel decide que eles vão até o seu irmão Tommy, que foi um ex-Vagalume, para saber onde encontrar a base do grupo para levar a adolescente.

Enquanto se arrumam, Ellie e Joel usam roupas novas que estavam guardadas na casa e que são iguais às do jogo: a camiseta estampada vermelha da garota e a camisa xadrez verde de Joel, demonstrando um agrado ao fã do game. Em um momento só, Ellie encontra uma pistola que era de Frank e a guarda sem Joel saber. Ao saírem, Ellie acha uma fita e coloca para tocar, encerrando o episódio com a canção de Bill e Frank, “Long Long Time”.

Sem hesitação, The Last of Us vem conseguindo provar que é uma adaptação capaz agradar tanto os fãs que têm carinho pelo jogo, com cenas e diálogos que beiram ao idêntico na série e, ao mesmo tempo, alterar elementos do roteiro e que façam sentido para o formato de TV - agradando fãs e não-fãs do jogo, o que é um feito raro. Além disso, o episódio "Muito, Muito Tempo" trouxe representatividade LGBT+ ao apresentar um casal gay em sua jornada amorosa que perdurou por anos até envelhecer mesmo em um mundo de adversidades - algo que no jogo não pode ser concretizado.

Os novos episódios de The Last of Us estreiam todo domingo às 23 horas na HBO e HBO Max.