Não é raro aparecerem notícias sobre astros de Hollywood que se machucaram em sets de filmagens, seja de cinema ou TV. Apesar da preocupação com os astros, isso ainda é visto por muitos como "comprometimento total ao projeto”, mas casos recentes de mortes nos sets de Deadpool 2 e The Walking Dead, e a lesão de Tom Cruise nos bastidores de Missão: Impossível 6 reacenderam a discussão sobre o quão seguros são esses ambientes.
Embora seja difícil conseguir estatísticas precisas, o Daily Mail afirma que pelo menos 43 pessoas morreram em sets entre 1990 e 2016 nos EUA, e mais de 150 tiveram lesões graves, que ocasionaram uma mudança de vida. No mundo, 37 pessoas morreram nessas circunstâncias entre 2000 e 2016. Segundo dados da OSHA (Occupational Safety and Health Administration), as fraturas são o tipo de lesão mais comum e os dublês estão entre os trabalhadores mais presentes nas ocorrências.
Mas qual é o motivo de tantos acidentes? Em entrevista ao The Telegraph, um produtor que não quis se identificar afirmou que “Sets de filmes são inerentemente perigosos. Até mesmo quando a cena é apenas de duas pessoas atravessando, existe um número enorme de eletricidade, luzes quentes, escadas, equipamentos suspensos e ferramentas elétricas em todos os lugares”.
Ao visitar um set, é possível ver isso de perto: ao redor da cena que aparece na tela para o público, há um enorme aparato de equipamentos e uma constante movimentação de pessoas e estruturas. Por conta disso, nem todos os acidentes acontecem com atores ou dublês. Um dos casos conhecidos é do motorista John Suttles, que morreu nos bastidores de Os Vingadores em maio de 2011. Embora o longa tenha feito muito sucesso, a família afirmou que pouco foi falado sobre o que aconteceu.
Em 2014, um acidente nas filmagens de Midnight River causou comoção: um trem em movimento matou a assistente de câmera Sarah Jones e feriu a cabeleireira Joyce Gilliard. O cenário em questão era um trilho que passava em cima de um rio. “Assim que cheguei na locação, me senti estranha. Não parecia certo, não parecia seguro”, afirmou Gilliard ao Hollywood Reporter, na época.
O que pode ser feito
Local do acidente com Sarah Jones
A organização CSATF, que administra vários programas de melhorias para a indústria cinematográfica, estabeleceu alguns parâmetros para a segurança em sets nos EUA. Entre eles estão:
- Ter uma pessoa responsável por divulgar e manter um programa de segurança;
- Um sistema para garantir que todos vão cumprir as normas;
- Boa comunicação com a equipe;
- Procedimentos para identificar perigos nos sets e locações, com inspeções periódicas;
- Estabelecer um mecanismo para corrigir condições e práticas inseguras;
- Dar treinamento para todos os membros da equipe e elenco.
Porém, tudo isso gera uma demanda de tempo e dinheiro que muitas produções, até mesmo as mais milionárias, tentam eliminar no decorrer das filmagens. Além disso, membros de equipes dizem que muitos diretores e produtores estipulam regras absurdas que precisam ser seguidas:
“É um mundo maluco. Uma bolha física e psicológica. Por oito ou 10 semanas, você tem um diretor que é responsável pelo elenco e equipe, às vezes em uma locação remota, e a palavra dele é lei. Se ele diz que as pessoas precisam fazer algo maluco, é muito difícil alguém de uma posição mais baixa conseguir falar alguma coisa”, afirmou o trabalhador de uma equipe ao The Telegraph, que não quis se identificar.
Em relação ao acidente recente em Deadpool 2, que matou Joi “SJ” Harris, o coordenador veterano de dublês Conrad Palmisano afirmou ao THR que ela não era a pessoa adequada para a cena: “Ela era uma motociclista muito qualificada, mas não uma dublê experiente. Ela era acostumada a pilotar motos de 300cc. A que bateu era de 900cc, muito maior e muito mais poderosa”.
A dublê Joi “SJ” Harris
Outro profissional também enfatizou a questão: “Poderia absolutamente ter sido evitado. Joi não era qualificada e nunca deveria ter sido colocada naquela posição”.
Sobre o caso de Tom Cruise no set de Missão: Impossível 6, o diretor Christopher McQuarrie explicou à Empire que a batida do ator contra o topo de um prédio era prevista e ele estava protegido, mas precisou repetir a performance várias vezes:
“Em termos de coordenação, o que aconteceu é que Tom estava fazendo o que a câmera estava fazendo, o que significa que ele precisou repetir a sequência várias vezes. Na quarta tentativa, ele bateu no prédio com uma pequena diferença de ângulo e quebrou o tornozelo”.
Apesar de tantos problemas, existem caminhos para uma mudança de mentalidade e vários profissionais da área já pensam dessa forma. É o caso de Pete Antico, candidato à presidência do SAG-AFTRA (Sindicato dos Atores de Hollywood). Em entrevista recente para a Variety, ele comentou os problemas em relação ao que é estabelecido para os dublês:
“Não temos muitas informações sobre os acidentes, mas sei que a comunidade de dublês não é protegida no nosso acordo coletivo. Nunca foi e isso é inconcebível. Um produtor pode contratar qualquer um que se diz coordenador e, na maioria das vezes, você recebe o equivalente do que paga”, afirmou Antico, que também condena a falta de descanso da equipe em grandes produções, o que aumenta a chance de erro humano, e disse que pedirá a ajuda do governo:
“Estou chamando o governo para se envolver na proteção de todos os membros da nossa organização. Sinto que nosso acordo atual é muito negligente no campo da segurança e que as mudanças apropriadas podem ser feitas para nos proteger”.
É inegável que não há como impedir totalmente que acidentes aconteçam, tanto dentro quanto fora de sets, mas medidas preventivas ajudam a diminuir os números e a gravidade das ocorrências. Afinal, o cinema é uma arte que imita a vida, mas nada vale o risco da integridade física dos profissionais.