Adaptar livros para o cinema, uma das práticas mais comuns da indústria da sétima arte, pode ser um processo extremamente danoso para a história original. Mudanças são coisas comuns, talvez alguém mude de sexo, etnia ou idade, mas o real problema é quando a transferência acaba prejudicando algo que é a base da narrativa, e consequentemente, tudo que depende disso é prejudicado. É exatamente isso que acontece com O Lar das Crianças Peculiares, longa dirigido por Tim Burton.
O filme adapta a obra O Orfanato da Srta. Peregrine Para Crianças Peculiares, escrita por Ransom Riggs como parte de uma trilogia focada em um grupo de crianças que, como o título já deixa claro, não se encaixam no padrão. Na história, elas têm habilidades especiais como flutuar, ter um corpo cheio de abelhas e superforça. Tanto Riggs quanto Burton não gostam de usar a palavra poderes, o que daria a ideia de estarmos lidando com super-heróis. Essas características são sempre descritas como peculiaridades.
* Leia a nossa crítica do bestseller de Ransom Riggs
É nesse mundo que entra Jake (Asa Butterfield), que vai para a casa onde vivem a Srta. Peregrine (Eva Green), Emma (Ella Purnell), Claire (Raffiella Chapman) e outras crianças cheias de surpresas com o objetivo de descobrir mais sobre seu misterioso avô, Abe (Terence Stamp). O relacionamento entre o garoto e seu avô é a chave da história. É por que Jake se importa em descobrir sobre a vida de Abe que nós queremos descobrir também. O amor que um sente pelo outro é a isca para nos puxar para esse mundo fantasioso. Então por que isso não está no filme?
É claro que cortes vão acontecer na hora de adaptar uma história, mas em troca de ter mais tempo com as crianças peculiares e com os vilões liderados por Barron (Samuel L. Jackson), Burton e a roteirista Jane Goldman sacrificam quase toda a interação entre Jake e Abe. O roteiro é econômico, algo necessário nesse tipo de adaptação, e em certos momentos isso funciona muito bem, levando personagens aos lugares onde eles precisam chegar de uma maneira rápida e lógica, mas O Lar das Crianças Peculiares não estabelece o relacionamento mais importante do enredo e, como consequência, é difícil investir no que acontece em sequência.
Uma das coisas brilhantes que Riggs faz no livro é que, nas interações do menino com seu avô, nas quais Abe conta histórias sobre o lar da Srta. Peregrine, passamos a conhecer mais sobre as crianças que Jake, depois, conhece. Isso faz com que nos importemos com elas antes mesmo que o protagonista as veja ao vivo e em cores. Por conta da pressa em levar o filme para pontos importantes e visualmente interessantes - já que é nos visuais onde Burton pode brilhar mais - os relacionamentos sempre parecem ser básicos, unidimensionais e rasos.
Não ajuda que os atores (com exceção de Purnell, que vai conquistar alguns corações com sua atuação), parecem estar com sono ou atuando apenas para passar de média. É difícil criar um investimento emocional neste grupo de pessoas. Logo, quando chega a hora de Burton derrubar nosso queixo com seus visuais - que ora funcionam, ora parecem mais uma festa de computação gráfica - nós não estamos dispostos a fazer isso, porque emocionalmente, não aconteceu nenhuma conexão com as crianças peculiares.
Assim, O Lar das Crianças Peculiares é tudo menos peculiar. Tirando a quantidade de efeitos visuais, o filme é extremamente econômico e previsível. Seja nos personagens, enredo ou atuações, toda a magia que se espera de Burton e de um filme como esse se extinguiu em troca de, quem sabe, uma franquia nova para a 20th Century Fox. O encanto dessa história, o que motivou o estúdio a comprar os seus direitos de adaptação ao cinema, continua reservado ao livro original.
O Lar das Crianças Peculiares tem estreia prevista no Brasil para 29 de setembro. A crítica completa será publicada nesta quinta.