Westworld provou desde a sua primeira temporada que era muito mais do que uma série sobre robôs em um parque de diversões. Rapidamente a produção evoluiu para discussões profundas sobre o que é ser humano e quais são os direitos do homem diante de criaturas que sentem, choram e se emocionam como ele. A primeira temporada da série serviu bastante para estabelecer o universo e o funcionamento do parque para os visitantes: um lugar sem lei onde pessoas podem fazer tudo sem consequências.
Logo no começo, Westworld teve grandes viradas, como a revelação da identidade de certos personagens e uma linha do tempo que não era linear. Aos poucos o público percebeu que via passado e futuro misturados, algo intensificado na segunda temporada. Exatamente por isso é tão estranho chegar ao primeiro episódio da terceira temporada com um cenário tão.... comum.
O capítulo serve bastante para estabelecer onde os personagens estão após o final da segunda temporada e também para apresentar Caleb Nichols, personagem de Aaron Paul. É pelo olhar dele que Westworld apresenta o seu mundo real, um futuro tecnológico que tem grandes avanços, mas no fim das contas continua o mesmo. Os donos de grandes empresas de tecnologia estão ricos, mas as pessoas comuns continuam lutando todos os dias pelas mesmas coisas: trabalhos dignos e uma chance de sobreviver.
Caleb precisa lidar com a doença de um ente querido, com a saudade de alguém importante e o trauma de ter participado de um conflito no passado. Ele tenta melhorar seu status de vida nesta sociedade jogando pelas regras, mas logo percebe que, mesmo fazendo tudo certo, será muito difícil sair de sua realidade atual.
“Parce Domine” se passa totalmente no mundo real e ver Dolores nesta realidade chega a ser um pouco decepcionante, porque as regras agora são outras, até para ela. Se dentro de Westworld a personagem de Evan Rachel Wood atirava em quem entrasse no seu caminho, aqui ela precisa seguir as convenções do mundo real: ela sabe que precisa de dinheiro para conseguir alguma coisa e usa sua beleza como arma para se aproximar de quem pode ajudá-la nisso.
A personagem é boa, a atriz está muito bem na nova realidade e as cenas de ação com ela continuam incríveis. O que destoa são essas preocupações com coisas mundanas (porém necessárias). Tal qual os anfitriões perceberam que o mundo não era o que eles imaginavam, Westworld deixou de lado a idealização de Dolores sobre sua vingança perfeita imaginada no parque. Para realizar o que quer, conquistar o mundo real que os humanos negaram aos anfitriões, ela precisa passar despercebida, ter informações de pessoas poderosas e fazer o jogo delas. Isso torna a série ruim? Não necessariamente, apenas descaracterizada do que foi apresentado até aqui e muito mais parecida com outras produções.
Durante a San Diego Comic-Con 2019, os criadores Lisa Joy e Jonathan Nolan afirmaram que o terceiro ano da série seria realmente bem diferente e que a história seria mais linear. A decisão artística também soa como uma mudança de estratégia. É como se, depois da complexa 2ª temporada, a HBO tivesse pedido para que a produção se tornasse mais palatável para o grande público. Ainda há sim grandes mistérios - e uma cena pós-crédito promissora - mas Westworld retorna tão diferente que os fãs das grandes teorias e reviravoltas precisarão se acostumar com a nova abordagem.
O maior potencial da 3ª temporada está em um trecho já mostrado nos trailers e guardado para o final do episódio: o encontro entre Dolores e Caleb. Como as prévias já adiantaram, os dois trabalharão juntos em algum momento e o espelhamento de suas histórias é impressionante. Assim como os anfitriões, Caleb é alguém quebrado, fruto de uma sociedade que não se importa com ele e essa revolta contra a ganância humana é o que pode unir os dois e até dar uma nova perspectiva para Dolores. Até agora, ela sentiu raiva de todos os humanos que conheceu porque todos foram opressores. Será que ela mudará de ideia ao perceber que há uma grande parcela de pessoas oprimidas no mundo real também?
No fim das contas, é corajoso que Westworld escolha um caminho tão fora de sua curva para começar a terceira temporada. Há muito potencial no que foi apresentado no episódio de estreia, incluindo já citada cena pós-créditos (não desligue a TV antes), mas os produtores precisam tomar cuidado para dosar a ideia de trazer algo novo, com o perigo de deixar de lado toda a personalidade da série e torná-la só mais um produto no mercado.