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Exclusivo: Roteiristas falam sobre a adaptação de Watchmen ao cinema

Omelete Entrevista: David Hayter e Alex Tse

03.03.2009, às 00H00.
Atualizada em 21.11.2016, ÀS 22H01

O roteirista David Hayter passou uma década envolvido na adaptação de Watchmen - O Filme. Seu texto foi lido até pelo autor da graphic novel que deu origem ao filme, Alan Moore, que o chamou de "provavelmente a coisa mais próxima de um filme de Watchmen possível", o que, vindo do escritor, é um elogio tão colossal quanto a lula extradimensional que encerra o gibi.

Depois de anos de batalhas e entra e sai de estúdios, porém, Hayter cansou-se e deixou o projeto. Com a saída do roteirista e a mudança para a Warner Bros, Alex Tse foi chamado para uma reunião no estúdio. Ele teve que concorrer pelo projeto, mas acabou contratado. Quando Zack Snyder foi contratado para a direção, Tse teve uma conversa decisiva com o cineasta, na qual os dois de certa maneira formaram um pacto: Não arruinar Watchmen. E para tanto deveriam trabalhar sobre um roteiro que ambos consideraram uma "declaração de amor à graphic novel", o roteiro de David Hayter.

Watchmen - O Filme

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Watchmen - O Filme

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Zack Snyder no set

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Conversamos com Tse e Hayter em Los Angeles com exclusividade sobre o filme, Alan Moore, o processo de adaptação, as armadilhas... Confira!

Terry Gilliam descreveu uma vez Watchmen como o Guerra e Paz das histórias em quadrinhos. Como vocês descreveriam a HQ?

Alex Tse: Para mim, Watchmen e Batman - O Cavaleiro das Trevas são o equivalente ao Novo e Velho Testamento das histórias em quadrinhos.

David Hayter: Uau. Qual é o Velho? Pra mim é a maior HQ já escrita - razão pela qual eu persegui esse projeto tantos anos.

David, eu sei que você falou com Alan Moore ao telefone. Como foi isso?

DH: Um jornalista, não lembro quem, me deu o telefone da casa dele. Eu não devia ter feito isso, mas eu sabia que jamais chegaria a ele através de agentes ou coisas assim, então juntei coragem e liguei pra ele do meu escritório na Universal. Comecei o papo dizendo "desculpe, você não sabe quem eu sou, meu nome é David Hayter e estou adaptando sua obra-prima, Watchmen, para o cinema. Eu sei que você não é fã disso, mas eu preciso dizer que se você tem alguma coisa a dizer, se quer ter qualquer participação nesse projeto, qualquer conselho, enfim, por favor, isso significaria muito pra mim". E ele disse, naquele jeitão dele, muito gentil, "David, o livro é meu, mas o filme é seu. Se você tiver qualquer dúvida, pode me ligar, mas... não. Não quero me envolver diretamente". Eu acabei ligando algumas vezes pra ele ao longo dos anos para fazer perguntas específicas, como "o que é um Gluíno". Eu acho que ele, no fundo, apreciou o fato de eu me importar tanto com a obra a ponto de fazer perguntas como essa. Ele sempre me ajudou como escritor, mas em termos de Hollywood ele preferiu manter-se afastado.

E ele leu seu roteiro. Você sabe o que ele achou?

DH: Ele nunca me disse, mas comentou à revista Empire que o texto é provavelmente a coisa mais próxima de um filme de Watchmen possível. Essa declaração provavelmente salvou minha vida das hordas de fãs enfurecidos. Mais que isso, significou muito pra mim e me deixou em estado de choque por um tempo. Ele não precisava ter feito isso e gosto de acreditar que foi em apreciação a meu amor insano pela obra dele.

Como foi seu processo de adaptação?

DH: O que eu fiz foi primeiro escrever um roteiro usando cada quadrinho da graphic novel, sem cortar nada e sem detalhar cenas de ação. A primeira versão tinha 178 páginas, o que nem era tão exagerado. Depois fiz uma nova passagem, condensando diálogos e cenas, mas sem perder nenhuma, apenas aparando arestas. Aí o tamanho caiu para 134 páginas, o que dava pouco mais de 2 horas. Adaptar não foi difícil, afinal. O que foi complicado foi proteger o texto dos estúdios.

Explique essa proteção.

DH: Eu acredito que a grande maioria dos executivos de estúdios com quem eu conversei em 10 anos sequer leu Watchmen. A lógica comum deles era pensar do volume de vendas da graphic novel, na base estabelecida de potenciais consumidores e tentar transformar isso em um fenômeno de massa, em um produto familiar. O que ninguém entende é que Watchmen não é um quadrinho de personagens, é um quadrinho de história - os personagens inexistem fora dessa série de eventos, desse mundo complexo. Estruturalmente, é perfeito! Mas o volume de informações assusta os executivos.

AT: Para entender isso você tem que entender como a cabeça dos executivos de estúdios funciona. Eles se sentem confortáveis com coisas que lhes são familiares. É por isso que temos tantas continuações e refilmagens. Então quando eles olham pra Watchmen tentam aplicar à obra suas regras familiares. Pegam os filmes de super-heróis que funcionaram no passado e tentam impor essas regras a ele. Enxergam um bando de caras de colante correndo, mas são incapazes de ver como a graphic novel mudou os arquétipos desses mesmos super-heróis que eles tentam emular.

DH: É engraçado também como há 20 anos se fala que Watchmen era "infilmável". Bobagem! A história é absolutamente perfeita, sem gorduras, e nem é assim tão grande. Não é um Senhor dos Anéis - que também foi filmado! - é apenas muito mais inteligente do que a maioria dos estúdios e profissionais está acostumado. E quer saber? Quanto mais inteligente, melhor! Se o filme for intrincado, pode acontecer do público voltar para ver novamente! Por um lado, creio que o público se sente honrado pelo fato de estarmos o levando a sério.

A graphic novel tem uma estrutura clássica, páginas com nove quadros em sua maioria, vocês tentaram incorporar isso de alguma maneira como o ritmo do filme?

DH: Essa não é exatamente uma escolha minha, mas do diretor. Mas eu sempre achei que Watchmen deveria ter no cinema uma grandeza clássica, algo que correspondesse a essa estrutura de 9 quadros da graphic novel. Mas foi exatamente isso o que Larry Fong (diretor de fotografia) e Zack Snyder fizeram. Minha preocupação foi com o ritmo da história, com a tensão, a tranquilidade e as cenas de ação. Esse foi meu foco. Tome como exemplo a sequência em que o Dr. Manhattan é assediado pela imprensa e se refugia em Marte. Do caos da rede de televisão vamos direto para uma serenidade infinita no planeta vermelho. Naquele silêncio podemos sentir como ele a pressão psicológica à qual ele havia acabado de ser submetido.

Alex, qual você acredita que foi sua maior colaboração nesse trabalho e o que você mais gostou de fazer?

AT: Eu me diverti demais fingindo ser Alan Moore. Tentando imitar o estilo dele. Em momento algum tentei imprimir meu estilo próprio no texto, mas imitar o dele. O tempo todo. Tentar pensar como ele talvez pensaria. Então adorei fazer certas coisas, como a utilização do programa de entrevistas políticas que abre o filme. É uma referência pop que acredito que ele usaria - só que além de política eles estão discutindo super-heróis. Foi demais fazer isso. Adorei!

Esses programas e referências supriram em parte a ausência daqueles trechos de livros e relatórios ao final de cada capítulo da HQ...

DH: Aqueles trechos carregam alguns elementos bastante importantes para a história. Ou se não são importantes, são apenas muito bacanas. Tirei, por exemplo, alguns pedaços do livro "Sob a Máscara" e coloquei-o no diálogo de Dan com Holis Mason. Mas Alex e Zack levaram essa ideia a um novo patamar. Aquela introdução, com as fotos históricas, é incrível. Entenda que eu estava apenas tentando sobreviver com meu roteiro, levá-lo o mais perto possível da história em quadrinhos...

AT: David estava numa posição completamente diferente da minha. Quando eu assumi o roteiro tinha por trás Zack... Se eu estivesse no lugar dele, sem o diretor na retaguarda, o estúdio teria me despedido rapidamente. Mas como eu estava incorporando coisas ao texto que Zack queria, eu podia fazer isso à vontade. Ele, afinal, tinha acabado de fazer meio bilhão de dólares para a Warner com 300! E Zack estava muito entusiasmado com a ideia de incorporar trechos dos livros no filme. Ele especificamente exigiu coisas como a frase "eu não disse que Superman existe... e é Americano. Eu disse Deus existe... e é Americano".

Que é um trecho de "Super-Heróis e Superpotências".

DH: Exatamente.

AT: Outra coisa em que eu usei bastante um trecho de livro foi no roteiro do DVD "Contos do Cargueiro Negro". A HQ dentro da HQ é relativamente curta e eu tinha que expandi-la para justificar um lançamento em DVD. Então peguei aquele arquivo de jornal sobre o desaparecimento do escritor, que traz bastante informação sobre os "Contos" para me ajudar. O fato de eu saber que Alan Moore tirou a ideia do filme Threepenny Opera [de Georg Wilhelm Pabst, 1931] também me ajudou. Entendi como era e tentei seguir o estilo.

DH: Usamos também um trecho do livro de Holis Mason que transformamos em narração em off do primeiro Coruja. São coisas assim...

Vocês trabalharam juntos?

DH: Não. Eu trabalhei com Paul Greengrass até o final de 2005 e depois, quando a Paramount cancelou o filme, levei o roteiro com Larry Gordon até alguns estúdios. Mas aí fiquei cansado e falei para ele que tinha que deixar o projeto. Me partiu o coração - e talvez eu não devesse ter feito isso - mas não dava pra saber que daria tudo certo no final e eu estava devastado por tantas coisas ruins que aconteceram com o projeto até então. Então saí, mas felizmente outros fãs de verdade entraram no meu lugar.

Pra terminar, antes que me matem por tomar tanto tempo de vocês, há algum aspecto do filme ou do roteiro que vocês sentem que não foi suficientemente comentado? Algo que vocês tenham orgulho e que ninguém notou ainda?

AT: Ainda não. O filme ainda não saiu então, acredite, vão comentar todos os frames existentes! Mas há algo em termos de produção que eu acho que as pessoas não estão dando valor suficiente: os obstáculos que essa equipe - David, Larry Gordon, Lloyd Levin, Zack e Deborah - enfrentou para proteger esse filme. Os fãs não fazem a menor ideia de quantas versões lamentáveis do roteiro existiram ao longo de 20 anos! O mundo quase viu os personagens de Watchmen transformados nos Vingadores, quase viu um filme de dupla tipo "Máquina Mortífera", quase viu um filme sem flashbacks, quase viu o Dr. Manhattan de uniforme...

DH: E não foi por pouco. Quase aconteceram coisas como essas de verdade. Claro, nós tivemos que fazer algumas mudanças, mas os fãs puristas não entendem isso. Eu, sinceramente, acho que o filme ter saído como saiu, tão fiel à graphic novel, é um milagre.

AT: Se David tivesse cedido ao que pediram para ele desde o começo - e ele passou quase uma década nele - ele teria ficado rico, mas ele não o fez. Falta uma certa apreciação por parte de alguns fãs dessa equipe que lutou tanto pela obra. Mas também não posso culpá-los, é assim que o "Hollywood System" funciona e para entender o que passamos só mesmo estando aqui dentro. Foram umas guerras do cacete! Guerras! Guerra pela censura 18 anos, guerra para ambientar o filme na década de 1980, guerra pelo final... Só Zack teria conseguido isso.

DH: Sim, se fosse só pela grana eu teria feito o que a Universal me pediu, lançado o filme em 2001, recebido créditos de produtor e feito Watchmen 1, 2 e 3! Eles seriam horríveis e eu me odiaria. Então nunca foi o caso. É um trabalho de amor.

Agora que está tudo pronto, que vocês estão fazendo entrevistas, como é viajar por aí com Dave Gibbons, um sujeito que deve ser um ídolo de vocês?

AT: Eu gasto uma caixa de lenços de papel toda manha enxugando as lágrimas. Ahaahahaha. Sério, eu li a HQ no colégio e ela mudou a minha vida. Agora, estar do lado dele e saber que ele está tão satisfeito com o resultado, é mais importante pra mim do que qualquer sucesso pessoal que eu poderia extrair dele. De verdade. Eu teria feito esse filme de graça.

DH: Eu não! Ahahahahaahaha. Trabalhar de graça não dá. Mas poder trabalhar sobre algo tão genial é o melhor cenário possível. Quanto a sentar ao lado de Dave Gibbons, tenho que separar meu lado fã do lado profissional, sério. Do contrário eu ficaria só gaguejando. Mas a cada email que eu recebo dele fico pensando quão bizarro é isso... e vê-lo feliz com o resultado é extremamente gratificante.

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