A disputa entre dois dos mais famosos quadrinistas britânicos - Alan Moore e Grant Morrison - não é de hoje. Já na metade final dos anos 80, quando ambos começaram a fazer sucesso nos EUA, os dois não se bicavam - por algum motivo não muito claro. A briga ganhou um novo capítulo esta semana.
Alan Moore
Grant Morrison
Começou com uma série de textos do crítico e escritor irlandês Pádraig Ó Méalóid no site The Beat que ressuscitava uma antiga controvérsia: seriam as ideias de maior sucesso de Moore plágios de Superfolks, obscuro romance de Robert Mayer dos anos 70? O livro estrela uma paródia do Superman, velho e sem poderes, depois que todos heróis morreram ou se aposentaram (como em Watchmen), que recupera os poderes em meio a crise de meia-idade (como em Miracleman) enquanto corre um plano para assassiná-lo (como em O que aconteceu ao homem do amanhã?).
A maior "acusação" de plágio que houve contra Moore veio de uma coluna que Morrison escreveu em 1990 na revista sobre HQs Speakeasy. "Posso apenas dizer que é um livro visionário, e acredite quando eu digo que renderia um ótimo quadrinho. Ou até três ótimos quadrinhos", escreveu Morrison, sem mencionar o nome de Moore.
O terceiro texto de Méalóid discutia justamente se a inimizade Moore/Morrison vinha desta acusação. A partir da seleção de comentários de Moore em várias fontes, o crítico destacou que Moore via Morrison como um novato cuja tática para alcançar o sucesso era falar mal de Watchmen, Miracleman e outras de suas obras. Os dois ainda tiveram um desentendimento mais afiado quando Morrison escreveu uma HQ de Kid Miracleman a convite da revista Warrior na época em que Moore fazia sucesso com Miracleman na mesma publicação. Moore pediu aos editores que a história de Morrison não fosse publicada, pois queria ter controle do que acontecia aos personagens.
Após o último texto, Morrison resolveu retrucar. Com auxílio da jornalista Laura Sneddon, publicou uma série de comentários em vermelho ao texto de Méalóid, contestando conclusões do crítico e as declarações que este reuniu do próprio Moore.
Morrison diz admirar a obra de Moore, mas contesta a maior parte do que ele diz. A tal denúncia que teria feito nos anos 90 do plágio de Superfolks fazia parte de uma série de textos irônicos - sua coluna chamava-se "Drivel" ("papo furado"), ressalta. E a discussão sobre plágio e inspiração é tão longa que chega a ser irrelevante - todo autor tem referências que se manifestam nas obras.
Morrison contesta, porém, que seria um novato querendo chamar atenção nos anos 80. Diz que sua primeira HQ foi publicada em 1978 e que, embora Moore tenha começado carreira de ilustrador no mesmo ano, só viu ele ganhar crédito em HQs em 1982. Ou seja, Morrison começou antes. Quanto a uma declaração de Moore de que ele teria recomendado Morrison para a Vertigo, Morrison destaca que a Vertigo só passou a existir em 1993, e Moore deixou de falar com a DC Comics por volta de 1987.
Fora as contestações, Morrison aproveita para dar alfinetadas. Diz que, se é para falar de plágio, o Supremo de Moore tem várias ideias que ele criou em Homem-Animal - como a do limbo dos quadrinhos - e que A Liga Extraordinária: Século tem uma trama com o Anticristo idêntica à que ele fez em Os Invisíveis há quinze anos (incluindo uma personagem principal andrógina.)
Quanto às declarações mais recentes de Moore, de que grande parte dos quadrinhos de super-herói atuais seriam baseados em ideias suas, Morrison contesta veementemente a interpretação.
"Moore inclui Geoff Johns entre os 'parasitas' e 'mão-peladas' que cavocam no seu lixo. Por quê? Porque Johns temperou sua expansão épica da mitologia do Lanterna Verde com elementos mínimos de uma história de Moore com o Lanterna, 'Tigres' (1986) - história que, por sua vez, foi criada para dar sentido a um furo na origem do Lanterna criada por Gardner Fox em 1959! Tanto Moore quanto Johns estavam fazendo o trabalho para o qual foram contratados, de fazer acréscimos à colcha de retalhos que é a continuidade DC e, especificamente, do Lanterna Verde. Num universo narrativo compartilhado, tal como da DC ou da Marvel, qualquer elemento introduzido na continuidade certamente passa a fazer parte do fundo e assim fica disponível para outros escritores utilizarem. O trabalho de Johns em Lanterna Verde e, em particular, 'A Noite Mais Densa', teriam funcionado muito bem sem qualquer referência a 'Tigres', aliás. Por que esse ataque mordaz, zombeteiro, desumanizante? Quem é que castiga um homem pelo crime inominável de sintetizar elementos antigos da história pregressa do Lanterna Verde para criar sua visão particular e renovada do personagem, meu amigo?"
Os comentários de Morrison vão longe, e constituem a maior resposta que tanto ele quanto Moore já deram sobre a desavença (Morrison diz que a última vez que os dois estiveram na mesma sala foi em 1990, durante o Festival d'Angoulême) - incluindo aí os comentários que Morrison fez sobre Moore no livro Superdeuses, lançado este ano no Brasil.
Até o momento, Moore não se pronunciou para defender suas palavras ou contestar as de Morrison. Provavelmente não vai se dar ao trabalho de ler o texto de Morrison.