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Entrevista

Omelete entrevista ALAN GRANT

Omelete entrevista ALAN GRANT

25.04.2001, às 00H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H32
Ex-vendedor de enciclopédias, anarquista e roteirista de quadrinhos. Há muito mais a se dizer sobre Alan Grant do que isso, mas este rápido passar de olhos por seu currículo nos dá idéia de quem é esse homem&qt;&

Hoje com 52 anos, o inglês Grant vive no sudoeste da Escócia, numa pequena vila no campo. “A paisagem é linda, a área é pouco habitada e tem uma grande bagagem histórica: menires, fortalezas da Era de Bronze e igrejas antigas”, diz. Escreve bem menos quadrinhos do que gostaria, tendo se concentrado em trabalhos para a TV, cinema e jogos de computador.


As histórias de Alan Grant com Batman sempre buscam o lado das tensões psicológicas do personagem

São dele duas edições especiais anunciadas pela editora Brainstore: Batman/Etrigan e Batman/Lobo – a primeira já foi lançada e a segunda em fase de adaptação. Ambas trazem três personagens nos quais Grant deixou sua marca.

Seus trabalhos com Batman mais conhecidos certamente estão na bem lembrada série brasileira do homem-morcego em formato americano ou na visão mais psicológica que o escritor dava à personagem no título Shadow of the Bat. Etrigan sofreu as piores danações do inferno em suas mãos, nos primeiros quatro anos de sua série (cujo início foi publicado aqui pela editora Tudo em Quadrinhos). E Lobo foi alvo de sua inventividade em dezenas de especiais e mini-séries, geralmente frutos da parceria com o escritor Keith Giffen.

Em 1998, Grant foi afastado das HQs do Morcego após mais de dez anos de trabalho ininterrupto com a personagem. Logo viu seus outros trabalhos mensais, Lobo e Anarky, serem cancelados. Desde então, o autor vem escrevendo várias edições especiais com o homem-morcego, além de mini-séries de O Exterminador do Futuro na editora Dark Horse.

Na entrevista, ele reclama da idiotice dos editores americanos, fala de diversos novos projetos que vem desenvolvendo com variadas personagens e mídias, e comenta sua relação autobiográfica com o herói Anarquia. Nada mal pra quem vendia enciclopédias.

:: Omelete Entrevista: ALAN GRANT ::

Há quanto tempo você trabalha nos quadrinhos&qt;&

Desde 1979, quando vendi meu primeiro roteiro. Era uma história do Tarzan para o mercado europeu. Pelo que lembro, nunca foi traduzida para o inglês, mas tenho uma cópia em finlandês. Antes de 79, eu tive vários empregos – vendedor de enciclopédias, contador júnior, bancário. Também desfrutei de uma carreira de sucesso com “ficção romântica adolescente”, primeiro como editor e depois como escritor. Foi redigindo essas histórias de “confissões” para revistas femininas que realmente aprendi a escrever.

No que você trabalhou antes de ser publicado nos Estados Unidos&qt;& Você fez seus primeiros trabalhos junto a John Wagner, certo&qt;& Como foi esta parceria e por que ela terminou&qt;&

Após vender algumas histórias para a 2000 A.D. [revista inglesa de quadrinhos], fui convidado para ser editor-assistente. Trabalhei lá por mais ou menos um ano e meio antes de voltar a ser freelancer. Eu estava dividindo uma casa com John Wagner na época – nós já éramos amigos havia anos – e fazia sentido começarmos a trabalhar juntos. Nossa parceria durou quase dez anos, durantes os quais escrevemos “Judge Dredd”, “Strontium Dog”, “Sam Slade, Robot Hunter” e “Ace Trucking Company” num ritmo mais ou menos semanal. Também fizemos várias longas séries para outras revistas britânicas – “Doomlord”, “Manix, Secret Agent”, “Computer Warrior”, “Joe Soap, Detective” e “Rebel, Police Dog” para a Eagle. Para a Scream, escrevemos várias séries de terror, incluindo “The 13th Floor”, com o ilustrador espanhol Jesus Redondo. Também escrevemos para quadrinhos de esportes, de guerra e comuns de aventura, o que me deu uma base de primeira classe em vários gêneros.

A parceria funcionava porque Wagner e eu tínhamos um senso de humor parecido, e porque já éramos amigos antes de escrevermos juntos. Trabalhamos em várias séries e histórias para editoras americanas – como a maxi-série em 12 capítulos Outcasts, com arte do nosso amigo Cam Kennedy, para a DC. Fizemos Justiceiro: Aventura na Escócia [Graphic Marvel 13, na Abril] para a Marvel, e O Último Americano para a Epic.

A parceria acabou, porque eu queria me concentrar mais em trabalhos para os americanos. John Wagner não é um fã de super-heróis, e sentia-se pouco confortável em escrever roteiros para essas personagens. Ele preferia trabalhar com Judge Dredd. O fim da parceria foi tranqüilo. Nós ainda somos amigos (mesmo que seja mais difícil agora que vivemos há 600km de distância um do outro). Recentemente escrevemos o primeiro episódio de uma nova série infantil para a TV, e logo vamos trabalhar numa nova história para Bogie Man. Bogie Man é o quadrinho independente mais vendido na Grã-Bretanha, e recentemente foi publicado nos EUA pela Paradox Press [subdivisão da DC Comics].

No que você está trabalhando agora&qt;&

Ontem acabei o primeiro esboço do meu romance (75.000 palavras) com Liga da Justiça e Batman para a Pocket Books. Hoje, estou trabalhando numa personagem chamada The Amazing Ganjaman para um novo quadrinho independente escocês produzido por amigos meus. Amanhã, começo a redigir o segundo esboço do meu roteiro para uma nova série infantil de TV. Na próxima semana, inicio meu último projeto com videogames para a empresa Lego. E ainda tenho em mente uma história com o Lobo que fui convidado a escrever para a Superman Adventures [série de quadrinhos mensal passada no universo do desenho animado do homem-de-aço].

Qual o nome desse livro que você escreveu para a Pocket Books&qt;&

Chama-se The Stone King [O rei de pedra], e baseia-se parcialmente na teoria do professor Julian Jaynes, que propõe que o homem primitivo não possuía a mesma consciência racional dos seres humanos de hoje. Em vez disso, vivia num estado inconsciente, dominado por vozes alucinantes do lado direito do cérebro. Minha história é sobre um xamã de 5.000 anos, do período neolítico, que decide retornar o mundo à Pré-História com assassinatos em massa. A Liga da Justiça, obviamente, é encarregada de deter seus planos – o que não é fácil, pois ele pode convocar os poderes do próprio planeta, tais como a energia telúrica, a sísmica e a piezeletricidade.

Pela primeira vez em anos, após o cancelamento de Anarky (em outubro de 99), seu nome não tem aparecido mensalmente nos quadrinhos da DC. Qual é a sua relação com a editora hoje&qt;&

Ainda trabalho com alguns editores. Escrevi uma graphic novel de 100 páginas para a Liga da Justiça, com personagens desenvolvidas por Mike Kaluta; toda arte interna será pintada. É um tipo de fantasia a la O senhor dos anéis. Também há projetos com o Lobo em desenvolvimento. Contudo, no presente estado deplorável do mercado americano de gibis (e com as decisões burras dos editores), decidi que meu futuro está cada vez mais longe da área dos quadrinhos. É uma pena, porque amo as HQs mais do que qualquer outra mídia.

Sua graphic novel com a Liga da Justiça foi previamente anunciada com o nome Universe. Ela ainda tem o mesmo nome&qt;& Mike Kaluta será o pintor de todas as páginas&qt;&

Acho que o nome mudou para World [Mundo], porque a Marvel recentemente publicou algo com o nome Universe [a maxi-série Universe X]. Mike Kaluta está cuidando do design de todas as personagens – e estão entre as melhores que já vi em toda minha carreira. Ele não vai pintar nenhuma das páginas. Os artistas confirmados até agora são Greg Staples, Alex Horley, Simon Bisley e quatro ou cinco outros, cada um dos quais pintará um capítulo.

Há quanto tempo você vem escrevendo para empresas fora da área de quadrinhos&qt;&

Desde quando comecei como freelancer. Não gosto de me empoleirar, e tento sempre ter vários opções. Trabalhei com agências de publicidade, programas de rádio, revista... também já escrevi uns 10 ou 12 livros para crianças. Dei palestras, fiz leituras em público e tive meu trabalho adaptado para a televisão.

O que você pode dizer sobre Batman/Etrigan [lançado recentemente pela Brainstore]&qt;&

Ambas são personagens dos quais gosto muito, porque amo a tragédia em torno dos dois heróis. Bruce Wayne e Jason Blood são possuídos por algo que é maior do que eles próprios. Escrevi um encontro de quatro capítulos entre os dois que começou em Detective Comics 601 [no Brasil, Batman, formato americano, 6 e 7] e foi essa história que me incitou a fazer outra. O ilustrador de Batman/Etrigan é Jim Murray, um bom amigo, e um dos melhores pintores nos quadrinhos britânicos da atualidade. Contudo, teve uma experiência de trabalho tão ruim com a DC que agora deixou os quadrinhos de vez e está ganhando muito mais dinheiro como diretor de arte em uma empresa de jogos para computador. Uma perda trágica para os quadrinhos, e sintoma da estupidez demonstrada por vários editores.

Qual foi sua visão pessoal de Batman durante todo seu trabalho com a personagem&qt;&

Para mim, Batman era o único herói verdadeiro (até aparecer o Anarquia, é claro!). Resumi todos meus sentimentos sobre ele em Shadow of the Bat 13, uma história chamada “The Nobody” [“O João-ninguém”, publicada no Brasil em Batman Anual 5]. Batman é a verdadeira personalidade, que “usa” Bruce Wayne como seu disfarce durante o dia. Meu Batman sempre se ligaria aos fracos e excluídos, não aos ricos e poderosos. Ao contrário do modo como vários criadores o representam, meu Homem-Morcego não é louco; muito pelo contrário – ele é o maior pensador racional de todos quadrinhos.

E Etrigan&qt;&

Sempre vi Etrigan do mesmo modo que Lobo – um canalha maléfico, que tem como única virtude seu senso de humor. Gostei muito da época em que escrevia suas histórias, e na verdade só desisti da revista porque não tinha tempo para escrever The Demon e a nova série mensal do Lobo.

Já que você mencionou Lobo, o que pode dizer sobre Batman/Lobo, que será publicada no Brasil em breve&qt;&

Simon Bisley é um bom amigo, e um dos meus ilustradores favoritos. Em tudo que trabalha, leva aquela sua forma peculiar de insanidade.

Originalmente planejamos a história de Batman/Lobo para ocorrer na continuidade real, mas o editor de Batman tinha várias objeções. Então, acabou sendo um Túnel do Tempo – o que provavelmente é muito melhor, visto que Asa Noturna e Robin são mortos durante a história.

Quais seus projetos para Lobo&qt;&

O primeiro é uma história de 48 páginas, com roteiro de Keith Giffen, a ser desenhada por Bisley. O segundo é uma história de 22 páginas para Superman Adventures. A DC tem guardada uma história de 48 páginas chamada “Stressed to Kill”, com desenhos e arte-final do diretor de arte britânico Tom Carney, e uma narrativa pornográfica de 24 páginas, com desenhos do artista de X-Men, Frank Quitely (a história é bem explícita e vulgar, e duvido que a DC venha a publicá-la). Não sei dizer se a DC algum dia voltará a publicar Lobo regularmente. Apesar da vendas de suas revistas nos Estados Unidos ter caído, Lobo é uma das personagens mais populares em outros países, principalmente Espanha e Argentina.

E o que aconteceu com Anarky [título solo mensal do personagem Anarquia, que durou apenas oito edições]&qt;&

Acho que está no limbo dos quadrinhos. Quando a DC decidiu publicá-lo numa série mensal, eu e o desenhista Norm Breyfogle não fomos favoráveis. Como um herói sem super-poderes, com uma atitude pouco convencional, Anarquia simplesmente não tinha o público forte necessário para manter um gibi mensal. Norm e eu queríamos que a personagem tivesse uma mini-série, e talvez um especial, a cada ano. Mas o editor disse que, se recusássemos, ele encontraria outra dupla para fazer a revista. Só aceitamos, porque éramos os criadores do personagem.

Contudo, fãs de quadrinhos americanos em geral não gostam muito de heróis sem poderes (exceto Batman, claro). Sempre considerei Anarquia como uma das minhas criações mais populares entre fãs de idioma espanhol; na Argentina, Espanha, México e Chile, Anarquia é muito apreciado.

Você criou novos roteiros para a série de Anarquia, ou foram todas idéias que tinha para mini-séries e especiais&qt;&

Uma mistura dos dois. A primeira história traria a Liga da Justiça, não porque eu os escolhi, mas porque a DC estava tão preocupada com vendas baixas que insistiram em ter “estrelas convidadas”. Várias edições de Anarky foram escritas e desenhadas, mas não foram publicadas – inclusive uma em que Anarquia mostra ao Super-Homem o que acontece quando o governo americano vende armas a ditaduras estrangeiras como, na época, a Indonésia. Norm Breyfogle e eu escrevemos juntos textos sobre “A Farewell to Anarky” [“Um adeus a Anarquia”] que deveriam aparecer na última edição. Não apareceram. Não sei por que, mas suspeito que a DC ficou medo de publicar as idéias políticas que estávamos expressando, ou algo parecido. Talvez a verdade seja bem menos interessante – quem sabe venderam todas as páginas para propaganda. Contudo, posso dizer que tive mais interferência editorial nas oito edições de Anarky do que em todos meus 21 anos nos quadrinhos juntos.

No que concerne às opiniões políticas, o Anarquia é um reflexo do seu criador&qt;&

A resposta curta é sim. Anarquia foi meu modo de expressar meu total desgosto por todos sistemas políticos atualmente reconhecidos, inclusive a democracia. Eu lhe faria uma referência ao trabalho do cientista e filósofo americano Frank Wallace, que foi uma das primeiras pessoas na história da humanidade a identificar a raiz de quase todos os problemas no mundo. Contudo, a grande maioria dos abastados americanos (e europeus – não é um preconceito contra os EUA) não tem interesse algum em ouvir a verdade sobre sua situação.

Alguma chance de um retorno à 2000 A.D., agora que ela está “sob nova direção”&qt;&

Sim. Acabei agora uma história em cinco partes de Judge Anderson [personagem coadjuvante de “Judge Dredd”] para a 2000 A.D., que será seguida de outra em cinco capítulos. Ambas serão desenhadas por um dos meus ilustradores favoritos, Arthur Ranson, que trabalhou comigo em várias outras histórias de Anderson. Também fizemos Mazeworld juntos, além do especial Batman/Vingador Fantasma e a história em dois capítulos “Tao", que escrevi para Legends of the Dark Knight [no Brasil, “Um Conto de Batman: Tao”].

Também escrevi uma história de dez páginas para a Judge Dredd Megazine, com o caçador de recompensar mutante escocês que criei em parceria com John Wagner, Middenface McNulty. “Midden” é uma palavra escocesa para “depósito de lixo”, e isso provavelmente mostra que esta é uma das personagens mais engraçadas que já criamos. John Wagner e eu vamos escrever uma nova série de Bogie Man para a 2000 A.D., agora que os direitos voltaram para nós da Paradox Press. Será desenhada pelo ex-diretor de arte da revista, Robin Smith, que até agora já desenhou todas as 272 páginas de histórias do Bogie Man que John e eu escrevemos.

Novos projetos que você queira divulgar&qt;& Mais mini-séries do Exterminador do Futuro na Dark Horse ou especiais do Batman na DC&qt;& Idéias que você ainda queira desenvolver&qt;&

A maioria dos meus projetos está fora do campo dos quadrinhos. Estou trabalhando para várias empresas de jogos para computador, algumas de televisão e uma produtora de cinema, todos sujeitos a Termos de Não-Divulgação. Então, nem posso lhe dizer quais são.

Contudo, os quadrinhos sempre serão minha mídia predileta, e não tenho intenção de dar as costas a eles. Conversei hoje com Cam Kennedy sobre uma nova bande dessinée que estamos planejando para uma editora francesa. Vou falar com Greg Staples amanhã sobre uma nova história para o website coolbeansworld.co.uk. Dois amigos ilustradores de Glasgow virão passar o fim-de-semana comigo, para discutir histórias futuras de sua revista escocesa independente. Também estou trabalhando com o artista Jon Haward numa nova personagem britânica, True Brit, que, no momento, só está disponível no website de Jon (e esqueci o endereço!).

Quanto a Exterminador do Futuro... bem, infelizmente a Dark Horse não se importou em me ligar desde quando mandei o último roteiro para a mini-série Super-Homem/Exterminador do Futuro um ano atrás. Suspeito que a personagem tenha passado do seu “prazo de validade”, e somente um novo filme com o Exterminador poderá ressuscitar a franquia. Porém, pelo que sei, a Dark Horse pode ter cinqüenta novas séries com o Exterminador prontas para serem editadas.


Batman: Scarface - A Psychodrama - o último trabalho de Grant com Batman&qt;&

E Batman&qt;& Bem, eu adoraria escrever mais histórias do Batman. Ele é minha personagem predileta desde que minha avó usou suas histórias na década de 50 para me ensinar a ler antes de eu ir para a escola. Mas... e esse é um “mas” bem grande... fui informado por um editor-senior da DC que (e aqui reproduzo sua fala) “você nunca mais poderá escrever Batman novamente”. Este editor foi incapaz de me dar qualquer motivo para a declaração, mas deixou claro que eu estaria perdendo meu tempo em mandar propostas de histórias com a personagem. Acho difícil de entender. Quando eu escrevia para Detective Comics, as vendas chegavam a 650.000 por mês. Quando escrevia para Batman, as vendas iam de 300.000 a 500.000 por mês. A primeira edição de Shadow of the Bat [bat-série que Grant escreveu praticamente do início ao fim, por sete anos] vendeu 750.000 exemplares. Agora, nenhuma revista do Batman vende mais do 50.000 por mês nos EUA. As revistas vendem duas vezes mais no México, e até na Itália. E como a DC reage&qt;& Diz que nunca mais escreverei Batman de novo. Vai entender. Eu realmente desisti de decifrar esse enigma.

O Omelete agradece a Alan Grant pelo tempo empregado nesta entrevista.