Cena de Batman & Robin, de 1997 (Reprodução)

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25 anos depois, já podemos admitir que Batman & Robin é bom?

Filme de Joel Schumacher faz um quarto de século - e merece uma reavaliação

20.06.2022, às 06H00.
Atualizada em 28.02.2024, ÀS 00H46

Bruce Wayne não é um homem traumatizado em Batman & Robin. Ou talvez seja melhor colocar em outros termos: ele não é um homem definido por seu trauma, um homem que definha por causa de seu trauma. Ao invés disso, o Bruce de George Clooney é um marmanjo de quase 40 anos (o ator tinha 36 quando o filme saiu), que a muito custo encontrou uma forma de conviver com as suas perdas e construir alguma sombra de vida - e que agora precisa aceitar que, bom, ele também construiu uma família pelo caminho.

No script de Akiva Goldsman, Batman & Robin é um filme sobre a composição dessa família. Por baixo dos trocadilhos infames e da direção deliciosamente cafona (falamos disso daqui a pouco), este é um épico de super-heróis muito mais íntimo, e muito mais sintonizado à intimidade dos seus personagens, do que qualquer coisa que o Marvel Studios ou a DC Films tenham feito nos últimos anos. É também uma abordagem refrescante ao mito do Batman como o conhecemos, e como ele já foi contado e recontado nos cinemas.

O recente (e ótimo) Batman de Matt Reeves, ao menos, tem a desculpa de mostrar um Bruce ainda bem jovem, nos seus primeiros anos de vigilantismo, para justificar o estado de repressão emocional do personagem. De fato, todo o arco do longa é sobre o Homem-Morcego percebendo que a misantropia dificilmente vai levá-lo a algum lugar, especialmente nas relações interpessoais, e que Gotham City precisa de um símbolo de esperança e comunidade para avançar na luta contra a corrupção e o medo, mesmo que seja tão lentamente que a luta na verdade nunca vai terminar.

Em Batman & Robin, o Morcegão já é esse símbolo. De fato, o script de Goldsman não parece muito interessado em abordar as entranhas corrompidas de Gotham. Sempre que a história nos coloca em contato com o mundo fora da bat-caverna ou dos covis dos vilões, o que vemos é uma alta sociedade frívola, mas próspera, que confia em seus heróis para protegê-los de vilões que são tratados como anomalias, e não sintomas, do mundo em que foram criados.

Ao invés de reeditar os chavões mais manjados do Batman, portanto, este filme coloca Bruce para lidar com os aspectos mais finos, por vezes invisíveis, do trauma. Embora funcione bem em uma dimensão social e mantenha até um relacionamento saudável com a belíssima Julie Madison (Elle Macpherson), ele percebe - não sem uns bons empurrões de Alfred (Michael Gough) - que ainda não consegue confiar, que ainda não sabe como fazer parte de um time, de um grupo, de uma família. Batman & Robin mostra um Bruce bem resolvido consigo mesmo a caminho de aceitar que não pode (e nem quer!) resolver tudo sozinho.

Se esta não é uma forma engenhosa de se desenvolver o arco do Batman para além das sombras estagnadas de sua origem, eu não sei qual é. Não é um caminho tão diferente do tomado pelos quadrinhos, em que o Homem-Morcego “pai de família” já é uma faceta bem estabelecida dele. E não fique surpreso se Matt Reeves seguir, nas continuações do seu filme, a mesma estrada pavimentada pelas revistas e por Batman & Robin - só, é claro, com uma abordagem tonal mais sóbria.

Saudades eternas, Joel!

Joel Schumacher (à dir.) com Arnold Schwarzenegger no set de Batman & Robin (Reprodução)

Pois é, chegou a hora de falar de Joel Schumacher e do fato que, visto hoje, Batman & Robin é um filme lindo de se olhar. Vale lembrar que o nova-iorquino, formado em moda e design, se tornou diretor após passagens por departamentos de figurino e direção de arte de Hollywood. Esse cuidado com as artes muitas vezes escondidas do cinema brilha nos seus dois filmes do Homem-Morcego, mas a liberdade dada a ele pelo estúdio após o sucesso de Batman Eternamente significou uma potencialização de todas as idiossincrasias de Joel em Batman & Robin.

Imagens iconográficas transbordam das 2h05 do longa, de uma forma que não vemos em filmes de super-heróis há muitos, muitos anos. Joel tira o melhor dos acertos de sua equipe de bastidores: basta ver como ele enquadra a maquiagem azul cravejada de brilhantes do Senhor Gelo (Arnold Schwarzenegger), como recorta a silhueta do Robin (Chris O’Donnell) contra a luz vermelha do sinal montado pela Hera Venenosa (Uma Thurman), como faz a Batgirl (Alicia Silverstone) entrar na bat-caverna cercada por holofotes multicoloridos como se estivesse em um show de hair metal dos anos 1980.

Batman & Robin sabe, porque Joel Schumacher sabia, que cinema é artifício. Todo cinema, do drama mais discreto ao espetáculo de fantasia mais espalhafatoso, é por sua própria definição um simulacro. No Batman de Matt Reeves, é um simulacro de fantasia gótica niilista (até não ser); no Batman de Christopher Nolan, é um simulacro de violência e opressão metropolitana contemporânea; no Coringa de Todd Phillips, bom… esse é só um simulacro de um simulacro, uma história sobre uma história, uma imitação de Nova Hollywood setentista, uma elegia automasturbatória aos Martin Scorsese’s do mundo.

Todos esses filmes, goste deles ou não, abraçam com vontade os simulacros que são - e Batman & Robin certamente faz o mesmo. O que ele abraça, no entanto, é o circo e a fantasia do super-heroísmo, a cor inerente ao fazer quadrinhos, o discurso através da imagem que define o que chamamos de cultura pop. Fazer cultura popular, afinal, é falar com a superfície, é dizer muito com pouco, é se comprometer com um legado e construir em cima dele. 

Joel está construindo, aqui, em cima do Batman da TV nos anos 1960, do Batman dos quadrinhos infantis que foram seus primeiros sucessos… e, sim, do Batman como ícone homoerótico. Por que não, afinal? Batman & Robin não calca a relação dos dois heróis título com a suspeita homoafetiva que o infame livro Seduction of the Innocent levantou em 1954, e que tem perseguido o Morcegão desde então. Ao invés disso, ele distorce essa acusação maliciosa com prazer e inteligência deliciosamente subversivos.

Será que ele é?

Michael Gough e George Clooney em cena de Batman & Robin (Reprodução)

Batman & Robin é um filme bastante heterossexual, no papel. Bruce tem um relacionamento que, surpreendentemente, sobrevive aos eventos da trama; Dick Grayson demonstra óbvio interesse sexual e romântico em Barbara Wilson; e Batman e Robin brigam pelas atenções da vilã Hera quando ela os enfeitiça com feromônios. Essa última parte é importante, no entanto - tanto o roteiro quanto a direção de Joel fazem questão de ridicularizar a rivalidade masculina dos heróis, a fragilidade patética do homem rendido pelos charmes fáceis da mulher.

Joel ressalta e zomba da heterossexualidade de seus protagonistas, portanto, mas ao mesmo tempo craveja o seu filme de imagens homoeróticas. A abertura, com os closes nos bumbuns dos heróis, já é um clássico, mas as esculturas gigantes de homens musculosos espalhadas por Gotham, e o tom voyeurístico dado à transformação e comportamento do capanga Bane (Jeep Swenson) não ficam atrás. Batman & Robin acena para a iconografia gay inerente ao universo que adapta, mas parece dizer: Não, eles não são. Quem dera fossem! Seriam heróis bem melhores.

À época da morte de Joel Schumacher, em 2020, o jornalista Mark Harris (ex-Entertainment Weekly e autor de Five Came Back, que virou série documental na Netflix) expressou no Twitter uma verdade até então não dita de Hollywood: Entre 1985 e 2000, todos os cinéfilos desdenhavam de Joel Schumacher, e parte disso era homofobia. Quem era esse figurinista, esse arranjador de vitrines, para achar que podia dirigir filmes? Eu sempre o admirei por não dar a mínima para isso, por confiar no seu olho, e por se divertir.

O peitoral do Batman em Batman & Robin (Reprodução)

O desdém por Batman & Robin também tem um pouco, ou muito, disso. Filmes ruins, e filmes atrozes de super-heróis (segundo os fãs, ao menos), são feitos o tempo todo. A reação violenta e virulenta a este em específico foi, sim, desproporcional - que ele tenha feito a Warner (embora não tenha sido um fracasso de bilheteria!) abandonar a produção de longas da DC por anos a fio? Que ele tenha gerado um ódio tão grande que Schumacher passou o resto de sua vida se desculpando por ele, e George Clooney continua por aí fazendo o mesmo, 25 anos depois? Há algo além de um filme supostamente ruim por trás disso tudo.

Batman & Robin merece um novo olhar. Primeiro, como obra personalíssima de um cineasta com estilo inconfundível e fundamental para a morfologia do cinemão americano como o conhecemos hoje. Segundo, como adaptação de facetas legítimas e importantes do Batman como mito, e do universo de super-heróis de quadrinhos como um todo. Terceiro, e talvez mais importante, simplesmente por não ser nem de perto tão ruim quanto você se lembra.