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Dicas do Hessel #026 | Batalhas brasileiras

Confira dicas de longas e documentários nacionais

02.10.2020, às 10H21.
Atualizada em 02.10.2020, ÀS 10H33

Assistir em 2020 ao loteamento do Brasil pode ser especialmente angustiante porque é impossível escolher uma única batalha em meio a tantas que se colocam diante da gente todos os dias, no notíciário, nas redes sociais, na nossa vizinhança. A sensação de derrota se amplifica no ruído e no volume de informações.

As sete sugestões das Dicas do Hessel nesta semana não oferecem soluções para problemas reais, antigos ou futuros do país, mas são oportunidades de focar em questões e relatos pontuais que acrescentam às complexidades do país, e às vezes até sugerem finais felizes nessa nossa constante busca por dignidade e uma construção de identidade, apesar de todos os retrocessos que nos assombram.

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Axé: Canto do Povo de um Lugar

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Para começar, uma sessão de descarrego. Pode ser especialmente emocionante, para quem sente falta de aglomerações em geral e do Carnaval em particular, acompanhar essa historiografia didática da Axé Music e da formação dos trios e dos blocos de Salvador, desde os primeiros dias da guitarra baiana até os nomes mais contemporâneos do pagodão. É refrão atrás de refrão, e no fim o que se tem é obviamente um panorama econômico da música pop local no seu auge, mas também um guia pedagógico sobre essa expressão muito autêntica do legado africano e da revolução racial promovida à força do batuque.

Disponível na Netflix.

A Floresta de Jonathas

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A produção de cinema no Amazonas não é das mais conhecidas no país, como ademais acontece com a própria realidade na floresta amazônica, distante demais dos centros urbanos do Centro-Sul. O filme de 2012 do manauara Sérgio Andrade, então estreante em longas, foi o primeiro projeto do Norte do Brasil contemplado no edital de baixo orçamento do Ministério da Cultura, e conta a história de um jovem encarregado de cuidar da barraca de frutas da família, mas num fim de semana se permite fugir com o irmão para um passeio com uma gringa na floresta. É um filme evidentemente de formação, que tateia formatos ainda em busca de um discurso, mas é uma ótima sessão, à moda Apichatpong Weerasethakul, para mergulhar nos mistérios da natureza e ser levado por suas sobrenaturalidades.

Disponível no Amazon Prime Video.

Indianara

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A trajetória da ativista transexual Indianara Siqueira, uma das idealizadoras da Casa Nem, abrigo para pessoas LGBTIs em situação de vulnerabilidade, no Rio de Janeiro, é emoldurada no documentário por dois eventos centrais da história recente do país, os protestos do início do governo Temer depois do impeachment de Dilma Rousseff e o assassinato de Marielle Franco em 14 de março de 2018. A urgência dessa convergência de questões agiganta demais Indianara, por si só uma mulher expansiva, e ao mesmo tempo o filme faz uma crônica muito tocante da vida suburbana carioca, seus prazeres e suas idiossincrasias. Um pequeno épico dos brasileiros invisibilizados no grande esquema das coisas - seja a comunidade trans, seja a classe média baixa para quem a elite da esquerda torce o nariz.

Disponível no Telecine.

A História da Alimentação no Brasil

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No meio da multiplicação de programas idênticos de culinária nos streamings, é muito fácil perder essa série excepcional sobre a formação da nossa identidade através da cozinha. A base é o estudo abrangente de Luís Câmara Cascudo publicado em 1967 que dá um perfil sociológico dos nossos gostos (os dois primeiros episódios, por exemplo, falam da mandioca na região costeira e do milho no interior como divisores desses dois “países” distintos), traduzido aqui visualmente com uma ótima pesquisa de campo e entrevistas com nomes da cozinha paulista (como Carlos Alberto Dória e Neide Rigo) que fogem do apelo midiático dos chefs celebridades. Enquanto o governo tenta assaltar o Guia Alimentar nacional com o lobby pelos alimentos ultraprocessados, fica o registro deste belo documento de preservação cultural.

Disponível no Amazon Prime Video.

Praça Paris

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Ex-integrante da luta armada contra a ditadura, a diretora Lúcia Murat produziu bastante nos anos da Retomada e seus filmes costumam ter uma carga de tensões sociais e políticas bem definida. Praça Paris é o mais recente, sobre uma ascensorista do Centro do Rio, irmã de um detento que lidera a comunidade onde ela mora, que frequenta uma jovem psicóloga portuguesa recém-chegada na cidade. As relações formulaicas de causa e efeito deixam o filme previsível mas Murat injeta um tom de terror meio Louca Obsessão na dinâmica entre as duas protagonistas que tem bastante a ver com a forma como lidamos, uns com os outros, no cada-um-por-si diário do brasileiro. É também o primeiro filme a colocar Grace Passô numa posição de protagonismo, e a forma como ela modula entre a fragilidade e a fúria ressentida volta depois em outros papéis que a ótima atriz belorizontina fez em seguida.

Disponível no Telecine.

Peões

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Quando a Videofilmes lançou dois documentários em 2004 como uma espécie de díptico sobre a eleição de Lula, Entreatos ganhou mais atenção pela curiosidade do acesso privilegiado aos bastidores da campanha petista, e Peões acabou ficando mais como o longa de contextualização histórica. Ainda assim é um filme que não envelhece, pois muitos dos anseios populares que o diretor Eduardo Coutinho registra em suas entrevistas com o proletariado que protagonizou e foi impactado pelo movimento sindicalista do ABC continuam vivos hoje em dia, apesar da informalidade e da precarização do trabalho. Peões é essencial para entender como o sindicalismo dos anos 70 e 80 se tornou o último movimento popular de revolta romanceado da nossa história.

Disponível no Looke e no NetMovies.

Pendular

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Se os filmes de Lúcia Murat trabalham em cima de uma amarração clara da trama, sua filha Julia, de uma geração mais afeita ao cinema de fluxo, já escreve e encena roteiros de causalidade mais espontânea. Premiado pela crítica no Festival de Berlim de 2017, Pendular é um cruzamento improvável entre Pina e História de um Casamento, e a trama de crise entre uma dançarina e um artista plástico (que por ofício fazem da ocupação do espaço uma reflexão constante) talvez tenha a ver também com nossas muitas crises de afeto e empatia em espaços urbanos brutalizados pelo abandono. As batalhas começam de dentro.

Disponível no Telecine.