Nesta semana se completam 40 anos da morte de Alfred Hitchcock, cineasta cuja influência podia ser verificada ainda em vida, nas obras setentistas de diretores que hoje consideramos clássicos, como Brian De Palma e Dario Argento. Hitchcock deu vazão, em seus filmes, a pulsões de sexo e morte em narrativas irresistíveis feitas de reviravoltas e expectativas, que lhe garantiram o mais que justo epíteto de Mestre do Suspense. Na newsletter desta semana, eu separo sete filmes - os recentes e os nem tão recentes assim - que mantêm vivos e sabem renovar, direta ou indiretamente, os temas, as obsessões e os ensinamentos de Hitch. Boas sessões e não deixe de assinar nossa newsletter para receber as dicas antes de todo mundo.
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Em Carne Viva
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Na virada do século o cinema americano viveu um momento de intensa produção de suspenses psicológicos, e talvez por isso o filme de Jane Campion tenha se perdido na memória das pessoas, mas este policial estrelado por Meg Ryan e Mark Ruffalo é um dos melhores dessa safra. O texto é brutal e está menos interessado no mistério da identidade do assassino esquartejador do que na dinâmica entre homens e mulheres, ditada pelo desamor e por afetos mal resolvidos. Campion joga de forma inteligente com a ambiguidade dos códigos do sexo, entre o encanto e a perversão, como Hitchcock fazia, e ela até homenageia o mestre com um uso irônico de "Que Será, Será".
Disponível na Netflix
Vestida para Matar
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O cinema já era octogenário em meados dos anos 1970, sua gramática plenamente estabelecida, e muitos realizadores do período inevitavelmente depararam com o peso dessa herança em seus próprios ombros. Brian De Palma é o principal nome em Hollywood a lidar frontalmente com esse impulso de cinefilia, em filmes que revisitavam clássicos de um ponto de vista maneirista. Lançado em 1980, Vestida para Matar é uma versão de Psicose que leva não só o pesadelo hitchcockiano ao pé da letra (até que ponto podemos confiar no que nossos olhos estão vendo?) como também assume todo o voyeurismo característico do mestre, até o limite da patologia.
Disponível no Telecineplay
Um Estranho no Lago
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Hitchcock talvez tivesse dificuldade de fazer seus suspenses atualmente porque hoje tudo é voyeurismo, e um senso de perigo se perdeu com a banalização do olhar e o fim da privacidade. O suspense de Alain Guiraudie devolve aos filmes de voyeur o senso de perigo que está na espinha dorsal do gênero. A trama se passa em um lago na França onde homens buscam parceiros sem compromisso, e a partir de um assassinato testemunhado por acaso a coisa só vai ficando mais e mais tensa, até que tudo ao redor represente um eco potencial de uma ameaça. Um grande exercício de suspense.
Disponível no Telecineplay
Greta
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Sem invencionice, o diretor Neil Jordan revisita o gênero do thriller sedutor com um visível prazer de cinéfilo - seja unindo Chloë Grace Moretz a uma referência para atrizes e cineastas, a francesa Isabelle Huppert, seja elegendo um tom muito mais próximo dos filmes B (com todas as entregas despudoradas de reviravoltas e exageros de performance) do que do cinema "de prestígio" que se esperaria de um filme com nomes estelares que circulou festivais. O resultado é hitchcockiano no sentido em que sua função primeira - realizada com muita competência - é brincar sem receio com as ferramentas que o gênero oferece. Um filme muito bom de ver, e honestíssimo, numa época em que tantos outros diretores renegam o básico e almejam o famigerado filme de gênero "elevado"
Disponível no Amazon Prime Video
Personal Shopper
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Um dos melhores filmes da década é também um filme inviável: o diretor Olivier Assayas coloca Kristen Stewart numa série de situações sem eventos, envolta em conflitos sem resolução, contemplando questões imateriais. Personal Shopper parece um grande laboratório de ideias abortadas, e sua unidade vem daí, porque essas ideias convergem todas para uma experiência de suspense resolvida na imagem, sempre cheia de mistérios. De certa forma, é como se Assayas desconstruísse o Vertigo de Hitchcock na era do déficit de atenção e da descartabilidade; Kristen Stewart vaga sem rumo como o James Stewart do clássico de 1958, ansiosa para atribuir aos seus vazios o sentido que for.
Disponível na Netflix
Um Pequeno Favor
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Assim como o Greta de Neil Jordan, este misto de suspense e comédia de Paul Feig parte do prazer cinefílico para fazer cinema de gênero sem pudor, como um bom filme B. Feig, porém, sempre teve tendência para a farsa, com a cumplicidade do seu elenco, e não é diferente nesta história de morte e mistério que tira o melhor proveito de seu esperto duo principal, Anna Kendrick e Blake Lively. A morbidez como elemento cômico havia sido usada por Hitchcock diversas vezes para dar vazão ao seu humor britânico, e Feig reivindica isso para si com elegância e graça.
Disponível no Amazon Prime Video
Floresta de Sangue
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Falando em morbidez, o diretor japonês Sion Sono testa os limites da impassividade do espectador com este filme baseado em casos reais de extorsões e assassinatos ocorridos no Japão. Tradicionalmente, Sono manda muito bem nos thrillers psicológicos sobre perversão, como em Culpada por Romance, e aqui ele aproveita o orçamento largo da Netflix para contar uma história em 2h30 cheias de excessos que convidam o espectador a participar da dança do voyeurismo. A Netflix está agora reeditando Floresta de Sangue para exibir em capítulos, mas o formato ideal é se sujeitar mesmo ao longa-metragem, porque a espiral de absurdos em escalada ganha mais força e se justifica.
Disponível na Netflix