Vivemos na era dos derivados. O tal do spinoff, para usar o bom inglês. Séries e filmes que exploram uma época, um grupo ou uma ideia com relação direta a um grande lançamento, mas não continuam diretamente o que vimos no original. Prequels, sequências de legado e coisas do tipo nos mostram histórias como a vida dos pais do protagonista, o surgimento daquela organização, o fim daquele reino, as aventuras do jovem mentor, e por aí vai. Duna: A Profecia é a mais nova adição a este vasto catálogo.
A lógica por trás do projeto – que passou por diversos problemas de produção, incluindo trocas de diretores e showrunners (em determinado momento, Denis Villeneuve ia comandar alguns episódios) – é clara. Os filmes de Duna, particularmente a Parte 2, são um sucesso, e a Max da Warner Bros. Discovery de David Zaslav precisa de assinantes, então por que não fazer com Duna o que A Casa do Dragão fez com Game of Thrones?
A comparação é simultaneamente injusta e apropriada. A Casa do Dragão se passa algumas gerações antes de Game of Thrones, enquanto Duna: A Profecia acontece 10 mil anos antes da ascensão de Paul Atreides, e a série sobre os Targaryen seria mais comparável a uma produção sobre os Fremen com muitos Shai-Huluds aparecendo. Os vermes, afinal, são o equivalente a dragões no universo de ficção-científica dos livros de Frank Herbert.
Por outro lado, além de ser uma produção do mesmo canal e streaming que Casa do Dragão, Duna: A Profecia também aponta para o principal problema dessa era de derivados. A série comete o pecado capital que, semelhantemente, tanto prejudica o spinoff de Thrones, assim como tantas outras produções feitas para explorar as propriedades intelectuais de Hollywood. Em resumo, Duna: A Profecia constantemente te lembra de algo melhor (e disponível no mesmo catálogo).
Apesar do ótimo elenco – encabeçado pelas ótimas Emily Watson e Olivia Williams como as irmãs Valya e Tula Harkonnen, responsáveis por comandar a irmandade que um dia virará as feiticeiras Bene Gesserit – e escala considerável de produção, a história, com algumas exceções, parece contente em replicar os tipos de personagens e situações dos filmes protagonizados por Timothée Chalamet e Zendaya. Há conspirações, herdeiros amadurecendo para tomar o poder, figuras misteriosas vindas do deserto e monarcas com segundas intenções. Toda vez “Atreides” ou “Arrakis” são mencionados, você sente A Profecia piscando através da tela como se dissesse “reconhece isso?”
Quando não está fazendo isso, Duna: A Profecia até ensaia os contornos de uma história competente. Se, por um lado, a série se desenrola milênios antes dos filmes, ela vem meras décadas depois da guerra contra inteligência artificial responsável pelo banimento de todas as “máquinas pensantes” neste universo fictício. Na trama, ainda há quem defenda o uso, ou tolerância, dos computadores que um dia escravizaram a raça humana, e explorar esse lado da mitologia oferece à série um grau muito bem-vindo de ineditismo.
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Nos livros principais de Herbert, a guerra contra as máquinas serve como fundamento para construção do mundo, mas só vem a ter um papel mais importante bem depois da despedida de Paul, Chani e outros nomes que, graças aos blockbusters de Villeneuve, agora furaram a bolha. Nos episódios que vimos, conforme os personagens de Mark Strong, Travis Fimmel e companhia fazem uma dança de cadeira política pouco interessante no palácio do Imperador Corrino (Strong), Duna: A Profecia deixa bem claro para onde está caminhando, então o mistério envolvendo as máquinas não dura o suficiente para manter nossa atenção.
Mais interessante são as dinâmicas dentro da irmandade, onde Valya e Tula preparam novas alunas e, mais importante, discutem como vão administrar o plano de séculos que levará – se você acredita na profecia – ao surgimento do Kwisatz Haderach. Entre suas preferências pelas alunas já presentes na academia e o preparo para a chegada da princesa Ynez Corrino (Sarah-Sofie Boussina) como nova pupilo, a série dá a Watson e Williams, que é especialmente cativante, ampla oportunidade para mostrar porque merecem protagonizar mais espaços.
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Não há como exagerar o quão importante é a presença das duas atrizes, porque por mais que a configuração da história ofereça momentos de alguma tensão, bem aproveitados pela dupla, Valya e Tula estão longe de serem particularmente magnéticas, mas o problema não é exclusivo a elas. Entre diálogos sem tempero e motivações fracas, boa parte dos personagens é unidimensional, se tanto. Alguns nada fazem além de cumprir funções narrativas (o misterioso, o sagaz, o orgulhoso, a inocente). E pior ainda, muitos parecem desenhados com o intuito de serem ecos das figuras vistas na telona.
O que, novamente, nos traz ao erro fatal dessa era de spinoffs. Em teoria, eles nos dão mais dos mundos que gostamos de visitar. Na prática, contudo, muitos são versões reduzidas e inferiores dessas ficções. Duna: A Profecia tem seus momentos, e fãs da saga Herbert vão desfrutar deles, mas aqui, a especiaria parece ter sido diluída. Complica que, com apenas alguns botões, encontramos a versão superior da droga no mesmo app. Duna e Duna: Parte 2 estão logo ali.