Com aval do regime soviético, Nicolae Ceausescu (1918-1989) presidiu a Romênia com a mão pesada do Partido Comunista de 1965 a 1989, ano de sua destituição e sua execução. Na época, movimentos de libertação irradiavam de Berlim, onde o Muro caíra meses antes, no sentido do Leste da Europa. Na cidade romena de Timisoara, no dia 17 de dezembro, manifestantes anticomunistas foram recebidos a tiro pela Securitate, a polícia de Ceausescu. O povo reagiu em diversas cidades. Cinco dias depois, quando a rebeldia chegou à capital Bucareste, o ditador entregou o posto. 22 de dezembro de 1989 é lembrado na Romênia como o dia da revolução que derrubou Ceausescu.
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A questão principal da comédia A Leste de Bucareste (A fost sau n-a fost?, 2006) é de ordem historiográfica. No décimo-sexto aniversário da revolução, um programa de debates na TV de uma pequena cidade a leste da capital quer saber: eles participaram ou não do movimento? Porque, veja bem, a rede nacional televisionou a queda de Ceausescu às 12h08. Se não havia ninguém na praça principal protestando antes desse horário, a cidadezinha só participou da festa da derrubada, depois das 12h08. Portanto, pela conta, não fez parte da revolução.
A discussão está no clímax do filme de estréia do roteirista e diretor Corneliu Porumboiu. Antes disso, somos apresentados aos três personagens que, mais adiante, farão o debate na televisão. Jderescu (Teodor Corban) é o apresentador, que passa a manhã inteira no telefone, tentando agendar a participação de seus entrevistados, e na hora vaga sai escondido com a produtora do programa, sua amante. Manescu (Ion Sapdaru) é o professor de história alcoólatra que passa o dia contraindo e ajustando dívidas financeiras. E o velho Piscoci (Mircea Andreescu), que está mais pensando se vai ou não reutilizar a roupa de Papai Noel para as festas deste ano, acaba escalado de última hora por Jderescu quando o entrevistado titular dá o cano.
Porumboiu estrutura o filme com um rigor quase matemático. Na primeira metade de projeção, a apresentação da situação, sua câmera não se aproxima mais do que um metro de distância dos personagens. O tripé é fixo frequentemente da porta pra fora, enquanto capta a ação que ocorre dentro de uma sala. É assim, filmada de maneira quase descompromissada, enganosamente burocrática, que a pasmaceira generalizada da vida dessas pessoas chega até nós. Piscoci reclama dos moleques que estouram bombinhas no corredor, Manescu desculpa-se com o comerciante chinês que ele havia xingado na outra noite, Jderescu briga com a banda juvenil da emissora que insiste em tocar músicas latinas.
De revolucionado, de transformado, aquele lugar não indica ter nada. Parece, sim, enterrado numa profunda crise de identidade, a meio caminho de largar o comunismo e abraçar o capitalismo. Filiar-se à história do país - "participamos ou não da revolução?" - seria uma tentativa não de resgatar, antes disso, de encontrar uma razão, um valor, por aqueles lados.
À discussão, portanto. A estrutura da narrativa se altera dentro do carro de Jderescu, no caminho para o estúdio. É como uma passagem, o sinal que divide no meio a equação de Porumboiu, um movimento de câmera para encontrar a perspectiva definitiva de olhar. A parte do debate toma o quarto final do filme, ou mais. Não há muito movimento cênico - a câmera fica fixa diante do três homens, voltados para ela. E é naquele espaço exíguo, com margem mínima de manobra tanto espacial quanto dramatúrgica, que A Leste de Bucareste cresce e nos ganha. Numa espécie de papo direto entre os personagens e o espectador, quando pela primeira vez temos os close-ups dos protagonistas, é que eles se revelam.
Porumboiu faz mágica. Flerta com a caricatura musicada, típica de um Kusturica, mas mantém a humanidade dos personagens - em especial, Manescu, protagonista formidável em sua complexidade, agarrando-se num último fio de dignidade. O diretor adere à comédia textual e do absurdo, mas deixa brechas para o humor físico. E insere seus comentários políticos sem panfletarismo, também no limite entre o registro da realidade pura e a licença poética.
É difícil explicar como um filme tão espartano em seu método e em suas imagens consegue nos passar a impressão de ser tão livre, improvisado, até. Para uma estréia (devidamente agraciada com a Camera D'Or em Cannes), a confiança de Porumboiu nas suas escolhas é notável.