Vamos começar tirando os problemas da frente: eu não vejo apelo nenhum na onda de remakes live-actions da Disney. Acho um ótimo jeito de tirar a mágica de animações que são lindas de assistir e clássicos atemporais - mesmo com seus defeitos de época. A Pequena Sereia, a última vítima do ataque live-action, inclusive, era um dos títulos mais delicados de mexer. Por que raios a Disney tentaria refazer a mágica de um profundo oceano cheio de peixes e crustáceos dançantes por algo que se assemelha à realidade, como se se aproximar da realidade fosse uma qualidade? A intenção é fazer dinheiro e só fazer dinheiro, não há como negar isso. É um fato.
Mas… dito tudo isso, saí um pouco tonta com o efeito de A Pequena Sereia. Algo nesta nova versão realmente conseguiu se aproximar do encanto de um dos melhores clássicos da Casa do Mickey até hoje. E, claro, não é a mágica dos oceanos. Ninguém me convenceria de que “Under the Sea”- uma sequência original que realmente tinha uma banda de crustáceos - ficaria melhor com peixes “reais” e nenhuma banda de crustáceos. E não é melhor, mesmo. Mas… dá certo. O novo Pequena Sereia coleciona tantos acertos em torno de seus inevitáveis deslizes que ele atinge um nível de magia nunca visto antes nos remakes da produtora.
Para começar, porque ele não toca em coisas que são irretocáveis - um movimento que poderia muito ter sido realizado se a Disney tivesse seguido a onda de seus últimos remakes. Ariel, uma das princesas mais polêmicas, é irresistivelmente insana no original, e tudo indicaria que a nova versão retiraria isso, para fazer dela uma princesa empoderada. Mas o diretor Rob Marshall e companhia não fizeram isso. A nova pequena sereia é tão apaixonada, obcecada, teimosa e obstinada quanto a Ariel da animação. O que a Disney fez agora foi apenas embasar sua fixação tornando-a mais convincente. Ariel é construída muito mais por sua fascinação por humanos em geral, e não só pelo Príncipe Eric. Que ótimo jeito de aprofundar uma personagem, sem retirar dela suas manias e defeitos.
Entregar profundidade às protagonistas não é novidade nos remakes da Disney, mas ouso dizer que a nova Ariel é a melhor das princesas live-action porque não foi preciso criar um novo passado, reinventar a roda ou entregar novas qualidades para uma personagem que já existia. Ao contrário da Jasmin de Naomi Scott ou da Bela de Emma Watson, que passaram por ajustes narrativos para se encaixarem no mundo atual, Ariel permaneceu a ótima personagem que já era porque não perdeu seus defeitos, sua humanidade.
Rob Marshall foi além, inclusive. Ao iniciar sua versão live-action com a citação do conto original de Hans Christian Andersen - “Uma sereia não tem lágrimas e, portanto, ela sofre muito mais" - a nova versão embasou a intensidade de Ariel com magia, sem precisar reestruturar a personagem para os moldes atuais ou fazer dela menos - para usar um termo moderninho - emocionada. Ariel é mágica, ela é sereia, ela sofre. E pronto, estamos convencidos. O acerto de A Pequena Sereia aconteceu porque, desta vez, ao invés de apenas corrigir aqueles desvios de moralidade da Disney clássica, a equipe por trás da produção levou a sério a tarefa de intensificar qualidades, imbuindo o mundo de magia ao invés de calcá-lo na realidade.
Trazer o compositor Alan Menken de volta era essencial, e aliá-lo a Lin Manuel Miranda é um perfeito exemplo de como a produção soube aliar o clássico à modernidade. As novas músicas de A Pequena Sereia não são gigantes como as originais, claro, mas são ótimas. Os números musicais também, convincentes; que jeito divertido de reconstruir “Kiss The Girl” de forma carismática. E para quem tem medo que o filme seja escuro demais (medo que eu tinha, inclusive), ele não é. O único conselho que dou neste quesito é ir atrás do 2D, porque já ouvi por aí que a versão 3D é tão escura quanto os blockbusters que saem todo mês. A versão que vi, pelo menos, é vibrante e colorida como o lar das sereias deveria ser.
O poder de Halle Bailey
Dito tudo isso, é hora de falar do pilar que sustenta absolutamente tudo que A Pequena Sereia tem a oferecer: Halle Bailey. Não é exagero dizer que a nova atriz é absolutamente essencial para que o live-action funcione, e estou até agora um pouco embasbacada com o magnetismo da nova Ariel. Que brilho no olhar, que modo de capturar uma personagem de forma apaixonada, que talento que Bailey tem. Durante o live-action inteiro, seu poder é impressionante. Bailey tem magia no olhar, uma voz sem limites, e a cintilação de Ariel. Cada movimento seu é convincente, e ela cimenta com tranquilidade seu lugar no topo - sem dúvidas - entre as intérpretes live-action das princesas.
Não é exagero dizer que a Disney encontrou ouro ao escalar Halle Bailey como a nova Ariel. Escalar um nome de peso, conhecido, uma popstar popular, uma atriz de renome, ou qualquer deslize teria feito tudo da Pequena Sereia desmoronar. Ele funciona a todo momento porque é sustentado por uma intérprete que se tornou Ariel por completo, é como se realmente estivéssemos na presença de uma princesa da Disney do mundo real. Que deleite é assistir ela capturar tudo que Ariel tem de melhor - e de pior.
Tudo isso não quer dizer que fui convertida e convencida pela palavra do remake live-action. Sigo contra, não quero, não consigo nem imaginar as versões que vem por aí de títulos como Lilo e Stitch ou Moana. E isso porque, novamente, o motivo financeiro não é convincente. Mas A Pequena Sereia veio para confundir os incrédulos como eu, e inspirar toda uma geração de crianças que pode e deve ser inspirada pela voz de Halle Bailey. Eu posso seguir torcendo contra - mas quando é preciso, posso dar o braço a torcer.