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A nova picaretagem para se ganhar dinheiro fácil é escrever um livro sobre a sua vida sexual quando adolescente. Principalmente se aos 14 anos você tenha sido um praticante assíduo de orgias e coisas do tipo. O público parece ter uma acentuada curiosidade pelo assunto. A cada seis meses surge um novo livro com o tema, que conseqüentemente acaba chegando à telona.
100 escovadas antes de dormir (Melissa P., 2005) é mais um desses casos absurdos de sucesso. A produção foi baseada no livro homônimo, que conta as aventuras sexuais e eróticas da adolescente siciliana Melissa Panarello. O livro foi um best-seller na Itália e em muitos dos trinta países onde foi lançado. O sucesso é conseqüência do forte teor sexual envolvendo uma menina. Muitos ficam impressionados, mas se esquecem que a verdadeira comoção é saber que garotas de oito anos das regiões norte e nordeste brasileiro fazem pior que as estripulias contadas no livro por um prato de comida, como foi recentemente mostrado em Anjos do Sol (2006).
Polêmicas à parte, no filme, Melissa (Maria Valverde) é uma virgem adolescente de 15 anos. Seu pai trabalha fora, em uma torre de perfuração de petróleo. Sua mãe (Fabrizia Sacchi) é uma dona de casa que não tem a menor idéia das transformações enfrentadas pela sua filha. A única que parece se importar com ela é sua avó (Geraldine Chaplin), cuja idade avançada acaba lhe rendendo a internação em um asilo. Assim, Melissa acaba perdendo a única pessoa com quem se sentia segura para conversar. Tudo isso bem na delicada fase das descobertas sexuais.
A grande paixão da menina é Daniele (Primo Reggiani), o garoto mais atraente e rico da escola. No final das férias de verão, ele a leva para trás de sua piscina e consegue de Melissa uma sessão de sexo oral. Na cena percebe-se que ele não sente nada por ela, e a utiliza apenas como um instrumento de alivio sexual. A cena é humilhante para a garota, mas ela está tão embevecida, que acredita numa paixão nascente. Em uma aula de educação física, ela chega a ter um orgasmo pensando nele.
Daniele se aproveita dessa paixão e resolve tirar-lhe a virgindade. A cena de sexo entre os dois é ainda mais humilhante para Melissa. Daniele ainda convida seu amigo Arnaldo (Elio Germano) para mais uma rodada de sexo com Melissa dias depois. Quando finalmente percebe que está sendo usada, ela se revolta e decide dar uma lição em Daniele: ela irá transar muito mais que ele! Irá devotar sua vida ao sexo e começa a escrever essas experiências em um diário. Inicia-se assim uma viagem regada a sexo com homens, mulheres, homens mais velhos, sadomasoquismo e até orgias.
Segundo o livro/diário, todas as experiências aconteceram. É um verdadeiro fetiche para os homens. Para as mulheres, um tratado feminista que defende o desejo e o direito de se ter diversos parceiros e experimentos sexuais. Infelizmente, o diretor Luca Guadagnino não conseguiu transportar essa essência para o filme. A mudança de comportamento de Melissa acontece sem credibilidade e sem substância. Se no livro percebíamos um questionamento sobre a vida e o contato com as dúvidas e descobertas de uma adolescente, no filme tudo é representado de forma pueril. Nem a polêmica das diversas relações sexuais abordadas no livro provoca alguma reação.
E nada é mostrado, com exceção de algumas parcas cenas mostrando os seios da jovem. Não que o nu fosse importante, mas o motivo do sucesso do livro foi justamente a maneira como o sexo nada convencional foi descrito. Já o filme parece ter sido produzido pela Disney, tamanha a sua inocência. Guadagnino conseguiu destruir todas as fantasias criadas nas mentes dos leitores. Nada é feito com paixão. São cenas e mais cenas robotizadas. Todo o elenco parece estar seguindo a bula de algum remédio, tamanha a frieza em cena. A única coisa que funciona é a narração, que acaba sendo uma versão falada do livro. Mas para isso já existem os audio-books.
Nem a própria Melissa, autora e protagonista na vida real das peripécias sexuais retratadas aprovou o filme. "Eu estou tentando esquecer que sou a autora do livro que inspirou o filme. Não tem nada a ver comigo, especialmente as mensagens de psicologia pop", disse ela. Realmente o filme investe em uma psicanálise de botequim, em que tenta explicar o comportamento atípico de Melissa por causa da ausência do pai e o descaso da mãe. Concluímos que ela cresce desprovida de amor e regras de conduta impostas pela sociedade. Mas a própria narrativa sabota essa teoria ao final do filme, gerando um produto esquizofrênico. Provavelmente Freud iria se divertir mais analisando o diretor Luca Guadagnino do que a própria Melissa. Agora, resta aguardar o filme sobre o livro da Bruna Surfistinha. Já que é para mostrar sacanagem, nada melhor que o Brasil.