Cena de 12.12: O Dia (Reprodução)

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Crítica

12.12 transforma golpe militar burocrático em bom thriller com ótimo vilão

Blockbuster sul-coreano tira épico comercial de capítulo sombrio da história do país

09.01.2025, às 14H50.

12.12: O Dia tem uma conta para acertar com a burocracia. O filme de Kim Sung-su passa quase 2h30 destrinchando as minúcias do golpe político aplicado por um braço das Forças Armadas da Coreia do Sul em dezembro de 1979, logo após o assassinato do ditador Park Chung-hee, que já tinha governado o país com punho de ferro por quase 20 anos - e a principal bronca que o cineasta (também co-responsável pelo roteiro, creditado ao lado de três outros colaboradores) encontra nessa autópsia histórica de um momento sombrio do seu país é, justamente, com os burocratas que deixaram o golpe acontecer. O vilão de 12.12 talvez seja o ambicioso general Chun Doo-wang, líder dos golpistas, mas o filme coloca culpa quase igual nos processos lentos e covardes que não o impediram uma vez que suas intenções ficaram claras.

E essa é a força expressiva mais importante do filme, o seu principal insight. Na superfície, 12.12 desenha um confronto bastante convencional entre o vilão Chun e um herói que é seu completo oposto: o Major General Lee Tae-shin, um oficial militar que foge dos holofotes e reluta em aceitar um cargo de maior poder no comando da Guarda da Capital, mas se torna símbolo da resistência contra o golpe militar durante os eventos de 1979. Vale dizer que, enquanto o antagonista é modelado inteiramente no general por trás do golpe (que depois seria presidente da Coreia, entre 1980 e 1988), o herói de 12.12 é meramente uma extrapolação de uma figura real - o homem que o inspirou, Jang Tae-wan, também foi chefe da Guarda da Capital, mas sua resistência foi muito menos significativa do que o mostrado por aqui (o relato oficial é que ele xingou e ameaçou os golpistas, mas foi imediatamente preso e torturado).

Para os efeitos dramáticos de seu relato dos eventos, no entanto, o filme o transforma em uma figura capaz de contra-ataques mais contundentes… e o resultado é mesmo intrigante. Grande parte do miolo de 12.12, uma vez que o dia que batiza o filme realmente começa, se preocupa com uma briga de influências, com um vai e vem de batalhões militares, convocados e barrados por ligações telefônicas dos comandantes de lados opostos da disputa. “Lealdade!”, gritam os oficiais militares que povoam o filme, em posição de sentido, quando se apresentando aos seus superiores. Apropriado, já que, para todos os efeitos, o destino da Coreia do Sul durante os eventos do final de 1979 foi decidido na base de quem era leal a quem, quem obedecia às ordens de quem, e por que.

A crúcis moral de 12.12, em meio a toda essa politicagem, está justamente nas motivações de heróis e vilões - e na forma como os atores responsáveis as expressam, em um embate excitante de veteranos do cinema sul-coreano. Como Lee Tae-shim, o diretor Kim Sung-su escalou seu parceiro de longa data, Jung Woo-sung (Um Momento para Recordar), que empresta dignidade e romantismo à moralidade inflexível do personagem, e até certo poder emocional à sua dedicação utópica à pátria. Como o futuro presidente Chun, por outro lado, Hwang Jung-min (O Lamento) caminha com destreza na corda bamba entre vilão de novela das nove e burocrata escorregadio que está sempre buscando o atalho mais rápido para o poder - exatamente o tipo de homem capaz de coisas chocantes para mantê-lo, uma vez que o alcança.

E, no entanto… enquanto essas duas figuras formidáveis vão medindo forças durante o filme, quase todo mundo ao redor delas demonstra uma passividade enervante. Generais que escolhem obedecer às ordens mais convenientes para si mesmos, presidentes que só são capazes de uma resistência débil e inútil (tentando se inocentar perante à história ao invés de moldá-la), ministros que esperam a corda arrebentar no lado mais fraco para enfim escolher seus aliados numa disputa ideológica, soldados que cedem à cegueira ambiciosa de um colega sem examinar a própria consciência. O filme de Kim, no fim das contas, é sobre a fragilidade da paz em um mundo entregue ao ímpeto de poucos, e ao descaso de muitos.

Quando passou nos cinemas sul-coreanos, no finalzinho de 2023, 12.12 virou fenômeno improvável de bilheteria, arrecadando cinco vezes mais do que o seu orçamento e gerando discussões renovadas sobre este capítulo da história - discussões que, tristemente, parecem ainda mais urgentes diante de eventos recentes no país. Na época, era lugar comum nas redes sociais encontrar sul-coreanos expressando raiva, frustração e angústia quanto aos eventos retratados no filme (até surgiu um “desafio” em que os espectadores monitoravam seus ritmos cardíacos durante a sessão), e é curioso pensar que isso tenha acontecido com um filme tão focado na banalidade das capitulações institucionais que levaram o país a cair em uma ditadura cruel.

12.12 carrega o mérito de reunir e mobilizar a revolta necessária com a qual precisamos encarar essas capitulações - e ainda colocá-las em um pacote palatável o bastante para não alienar ninguém. É certamente um truque cinematográfico de respeito.

Nota do Crítico
Ótimo