Uma constante no cinema romeno que neste século tem batido ponto em festivais, seja nas comédias ou nos dramas, é a contestação da autoridade. Não se esperaria menos de um país que deixou de ser controlada pela União Soviética com o fim da Guerra Fria: no cinema romeno, o Estado - e principalmente o seu representante mais imediatos no dia a dia das pessoas, a polícia - inspira suspeita, desprezo, escárnio, às vezes piedade.
Curta-metragista premiado e assistente de direção de um marco desse cinema romeno contemporâneo, A Morte do Sr. Lazarescu (2005), Radu Jude faz com Aferim! (2015), seu terceiro longa, uma viagem no tempo para associar os dilemas éticos da autoridade não com o regime comunista mas com um período bem anterior da história da Romênia: quando o país era dominado pelo Império Otomano, no século 19. "Aferim!" é uma expressão turco-otomana que significa "bravo!", e no filme é usada com ironia para comentar as atitudes de um policial, incumbido de caçar um cigano fugitivo, que com a missão acredita estar fazendo o Bem.
Aferim! assume o formato de um filme de travessia com um tom meio quixotesco, na medida em que o policial, Constandin - acompanhado de seu filho, seu "Sancho", que ele está treinando para ser policial também -, passa a história toda repetindo para si seus valores, em forma de provérbios, como se precisasse se convencer o tempo inteiro da validade do seu ofício. Que Constandin viva repetindo também os xingamentos mais absurdos contra ciganos, turcos, judeus (que a tradução das legendas se esforça para preservar) adiciona a verve cômica pela qual o cinema romeno é conhecido.
Não só a fotografia em preto-e-branco mas também alguns momentos lúdicos - especialmente na hora em que o filho brinca de espada sobre um tronco na floresta, sonhando com altas aventuras de cavalaria - embarcam no discurso autoimportante de Constandin (ainda que o filme não esqueça, em nenhum momento, como é ridícula a cruzada do policial) para melhor desfazê-la no final, com o típico final romeno do véu que cai (com uma paulada). Não convém explicar aqui o que acontece, mas é um desfecho que desmancha a caricatura da fantasia medieval e se conecta com a outra face do cinema romeno contemporâneo: a do realismo, da crueza, do lamento.
Vencedor do Urso de Prata de melhor diretor no Festival de Berlim, e indicado da Romênia a tentar uma vaga no Oscar 2016 de filme estrangeiro, Aferim! é mais um filme romeno cativante que problematiza a função social da lei. Aqui, especificamente, também discute com veemência a tradição do castigo na formação cristã do pais, sem deixar de fazer cinema: o último plano é banhado de contraluz, e os personagens caminham em direção a uma montanha que parece cenário pintado, para nos lembrar de que estamos apenas diante de um filme, e apesar do desencanto, essa boa ilusão ainda nos resta.