Na mesma época em que o cinema espírita move multidões no Brasil, em filmes de fácil conexão com seu bem definido público, curiosamente temos a chance de analisar o tema sem o viés religioso (e os onipresentes tons pastéis) que o acompanham, através da visão de um dos maiores cineastas contemporâneos.
Além da Vida
Além da Vida
Além da Vida
Não que Além da Vida (Hereafter), de Clint Eastwood, seja um filme espírita. Longe disso. O novo drama do octogenário realizador apenas se aproveita de alguns dos elementos que nos acostumamos a ver em produções com essa temática - mas não dá grande importância a isso. O personagem de Matt Damon no longa, afinal, é um médium de verdade, uma ponte entre os vivos e mortos, mas encara sua habilidade como uma maldição, preferindo fugir dela. Sua condição é algo que serve ao desenvolvimento da história e não à verdade incontestável dos filmes doutrinários.
A trama de Além da Vida costura três histórias distintas, passadas em São Francisco, Londres e Paris. Depois de uma experiência de quase-morte na Tailândia (em uma sensacional sequência de abertura), a jornalista Marie Lelay (Cécile de France) retorna à França para se descobrir mudada para sempre. Enquanto isso, em São Francisco, o operário de usina de açúcar George Lonegan (Damon), sofre pressão de seu irmão (Jay Mohr) para voltar às lucrativas leituras mediúnicas de seu passado. Em Londres, o menino Marcus (vivido pelos gêmeos George e Frankie McLaren) sofre a perda do irmão e a separação da família, com a mãe em tratamento para se livrar da dependência de drogas.
As conexões entre os três personagens demoram, mas são tão inevitáveis quanto a morte que os cerca de maneiras diferentes. Mais importante que isso, não soam forçadas em momento algum. Pistas são plantadas e respeitadas durante o lento (em alguns momentos um pouco arrastado) desenvolvimento do filme.
A primeira impressão quando analisamos o tema e a idade de Eastwood é que o cineasta veterano, depois de tantas homenagens aos gêneros que o consagraram e críticas, estaria preocupado com a morte. No entanto, em entrevistas, Eastwood disse que fez o filme apenas por ter gostado do material - "o teria feito aos 30 anos", diz - e que tem apenas uma curiosidade natural pelo tema, como qualquer um, e que a morte não é uma preocupação. Sua intenção é mostrar como a perda valoriza a vida - e aproxima os vivos.
O resultado é digno, mas carece da relevância moral de um Gran Torino ou histórica de seus filmes anteriores (Invictus, Cartas de Iwo Jima, A Conquista da Honra e A Troca). Com tema de fácil apelo, final feliz, desenvolvimentos calorosos e imagético piegas (vultos no contra-luz, nem os de Eastwood dá pra aguentar), Além da Vida trata-se, portanto, de um romance dos mais fáceis já trabalhados pelo diretor. A diferença é que através do olhar experimentado de um mestre, mesmo o roteiro mais clichê ganha valor - e extrai-se do filme outras qualidades e momentos, como a assombrosa sequência inicial, a primeira grande experiência de Eastwood com grandes efeitos especiais. E nesse ponto, o velho cineasta não decepciona.