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Crítica

Ao Cair da Noite | Crítica

Depois de Corra!, terror de mal estar racial volta forte em trama pós-apocalíptica

23.06.2017, às 11H52.
Atualizada em 23.06.2017, ÀS 12H06

Dos gêneros tradicionais do cinema de massa que a produção independente americana tem se aproximado nos últimos anos, o terror é o que tem gerado os resultados mais expressivos. Filmes como Corrente do Mal e Corra! não apenas usam as regras do gênero para traduzir o nosso mal estar social de hoje como o contextualizam historicamente, com passado e presente: nesses terrores americanos, o mal é acima de tudo um acumulado de coisas.

Logo no começo de Ao Cair da Noite, percebemos um ruído na ordem natural: filhos despedem-se de seu pai doente, mas o contexto é estranho e a despedida, violenta. Quando uma nuvem de fumaça cinza escura impregna o verde do meio da floresta, onde vive o grupo de personagens e onde a trama se passa, essa imagem fica como um prenúncio trágico de que o que está errado na ordem natural não pode ser desfeito, e marcará tudo o que vem a seguir.

Assim como em A Bruxa - outro filme que se ambienta à parte da sociedade para evidenciar a questão da ordem natural - aqui esse acúmulo se revela aos poucos e nem sempre se verbaliza. Ao Cair da Noite, porém, é menos tímido no uso dos recursos mais básicos do gênero; o diretor Trey Edward Shults usa o zoom-in constantemente para nos lembrar dos sustos e dos perigos, um procedimento de sadismo que aqui funciona melhor do que no longa anterior de Shults, Krisha, sua estreia em longas.

Um elemento consagrado do terror, a ideia de um mal que surge do mundo dos adultos para constranger a pureza da juventude, presente em todos esses terrores citados até aqui, também serve em Ao Cair da Noite para que - no meio de tantas insinuações e não-ditos - saibamos exatamente quem é nosso protagonista e o que está em jogo de verdade. Assim como em Corra!, há uma carga racial muito forte em Ao Cair da Noite, e embora seja mais sutil é ela que emoldura todo o mal estar nessa desolada mistura de terror de pandemia pós-apocalíptico e romance de formação juvenil.

Isso fica expresso na tela, na imagem do garoto negro segurando o lampião para se guiar no meio do escuro. A brincadeira que Shults faz com o gênero já vinha desde o título: o "cair da noite" sempre lembra que é no escuro que os males mais sobrenaturais se aproximam, mas seu filme não está exatamente interessado nas ameaças que os escuro traz, e sim no que representa a luz. O que implica "carregar a luz", ser o guia numa travessia de mundos em transformação, quando as trevas finalmente nos envolvem?

Nota do Crítico
Ótimo