Embora seja tentador, dizer que Arremessando Alto é um filme feito por fãs de basquete para fãs de basquete é submetê-lo a uma frase clichê e só parcialmente apropriada. Realmente, os espectadores mais ligados à história da NBA, a maior liga do esporte nos Estados Unidos, estarão muito melhor preparados para reconhecer todos os rostos de atores da produção que são, na realidade, astros das quadras. Mas mesmo que só esse grupo consiga apreciar o esforço necessário para reunir uma coleção tão vasta de estrelas esportivas veteranas (incluindo lendas como Shaquille O’Neal, Julius Erving, Charles Barkley, Dirk Nowitzki e por aí vai), compreender as principais mensagens e intenções do longa não será nada difícil para quem nunca se rendeu ao jogo da bola laranja que quica, range e vara cestas ao redor do mundo.
O lançamento da Netflix — mais novo fruto da parceria com o estúdio Happy Maddison, de Adam Sandler, desta vez produzido ao lado da SpringHill Company, do craque LeBron James — é, na verdade, um filme feito para todo mundo. Com o sempre popular Sandler como protagonista e um roteiro acessível e eficiente de Taylor Materne e Will Fetters, Arremessando Alto confessa ser, com todas as letras, afetações e até uma citação direta ao clássico filme de Sylvester Stallone, uma versão de Rocky - O Lutador (1976) onde as quadras fazem as vezes dos ringues. E, como bem sabe quem viu o filme ganhador do Oscar, ninguém nunca precisou saber o que é um “jab” ou um “cruzado” para se emocionar com uma boa história de superação.
Aqui, essa jornada que há décadas já é chavão dos filmes esportivos se divide em duas, mas que se desdobram de forma simbiótica. Começamos acompanhando o veterano Stanley Sugerman (Sandler), um olheiro do Philadelphia 76ers que passa a maior parte do seu ano voando de cidade a cidade para verificar talentos em potencial para a NBA. A maioria das tentativas acaba frustrada, o que ele compensa mergulhando de cabeça nos mais variados fast foods americanos e tentando alguma conexão à distância com sua esposa, Teresa (Queen Latifah), e sua filha, Kat (Heidi Gardner). Logo, fica claro: a rotina do homem é uma vagarosa, mas certa, caminhada à autodestruição.
Depois que um inesperado revés abala sua carreira e seus sonhos, Sugerman descobre um fio de esperança no jovem espanhol Bo Cruz (o assustadoramente carismático jogador Juancho Hernangómez, do Utah Jazz). Criado pela mãe sem uma figura paterna, mas ele mesmo um pai, o gigantesco pedreiro de 22 anos (a idade final para o ingresso de um estrangeiro na NBA) ganha um dinheiro a mais desafiando jogadores de basquete de rua e os humilhando em intensas disputas de um contra um. Quando o velho olheiro acena com a possibilidade de uma mudança de vida para ele e sua família, por meio do esporte que ama e nos Estados Unidos, seus olhos brilham na mesma intensidade dos do veterano.
A forma como Materne e Fetters imediatamente entrelaçam os destinos de Sugerman e Cruz é um dos principais acertos que permitem ao diretor Jeremiah Zagar imprimir no filme o ritmo constante de aceleração e pausa que marca uma partida de basquete. A todo momento, Arremessando Alto avança em jogadas ensaiadas que miram envolver o espectador no espetáculo do esporte, para então respirar em cenas emocionais que martelam a universalidade da história contada. Assim, todas as vezes em que os planos de sucesso de Sugerman e Cruz parecem ameaçados, aumentam sobre o espectador o pesar e a angústia que recaem sobre atletas conforme se aproxima o fim de uma partida decisiva.
Netflix/Divulgação
Esse pulso preciso do ritmo narrativo é um dos recursos que permitem ao filme ostentar toda a estrutura manjada dos dramas esportivos sem soar excessivamente melodramático ou paródico. Sim, há ali o magnata inescrupuloso (Ben Foster), o atleta rival de moral questionável (Anthony Edwards, jogador do Minnesota Timberwolves e um dos mais promissores jovens atletas da NBA), a inesperada aliada (Heidi Gardner), os shakes matinais, as corridas de madrugada e as músicas motivacionais. Mas tudo isso converge de forma orgânica em uma comédia dramática guiada pela naturalidade assombrosa de Sandler e a química desenvolvida entre ele e Hernangómez.
Diferente do que fez em outros mergulhos recentes em território dramático, como Jóias Brutas (2019) ou Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe (2017), Sandler entrega aqui uma atuação mais própria da intersecção entre o riso e o choro — e, consequentemente, muito menos afetada. Isso, aliado à aura de homem comum cultivada pelo astro em anos e anos vivendo azarões, faz de Sugerman um imediato porto seguro para o público em meio ao mar de estrelas sobre-humanas dos bastidores da NBA. E quando acompanhamos Hernangómez descansar os largos e lacrimosos olhos de um novato na amizade estabelecida com seu treinador — fortalecida por traumas que são gradativamente revelados ao público — a rendição aos personagens é total.
Título original de Arremessando Alto, a palavra “hustle” pode ser literalmente traduzida como “encontrão”. No discurso informal em língua inglesa, entretanto, ela representa o conceito de luta, de batalha e de obstinação na busca por sucesso. Que Sandler protagonize um filme com esse nome e que usa o esporte de forma tão certeira na representação dessa ideia é talvez o aspecto mais fascinante de toda a produção. Rotineiramente massacrado pela crítica especializada, o ator sempre seguiu firme em seu próprio corre: produz sem grandes gastos seus próprios filmes, enche seus bolsos com lucros invejáveis, é adorado por fãs de todas as idades, curte seu esporte favorito no tempo livre e, quando quer sair um pouco da zona de conforto, prova com trabalhos como este que qualquer mediocridade é meramente opcional. Em resumo, um craque na vida.