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As Memórias de Marnie | Crítica

Hiromasa Yonebayashi faz dessa história de fantasmas um dos filmes mais "terrenos" do Estúdio Ghibli

12.10.2015, às 12H41.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

Se As Memórias de Marnie (Omoide no Marnie) for mesmo o derradeiro longa em animação tradicional do Estúdio Ghibli, não terá o peso testamental de Vidas ao Vento, nem um caráter de elegia a essa técnica, como O Conto da Princesa Kaguya. Ainda assim, o longa escrito e dirigido por Hiromasa Yonebayashi é inequivocamente um produto da casa.

O longa adapta o livro de 1967 da britânica Joan G. Robinson sobre a amizade de Anna, uma garota solitária, enviada por seus tutores para morar um tempo com seus tios à beira do mar para tratar da saúde, e Marnie, uma misteriosa jovem que Anna acredita ser fruto de sua mente. Embora o romance infantojuvenil lide com elementos recorrentes da Inglaterra do Pós-Guerra (a orfandade recente, a aristocracia como um fantasma do passado), As Memórias de Marnie tem as duas características principais dos filmes do Ghibli: o contato com a natureza e a história feminina de formação.

Se Anna não chega a alçar voo sobre mares e plantações ao lado de entidades mágicas - embora esboce uma discreta flutuação no ar numa cena - As Memórias de Marnie substitui os delírios de fundo budista por um drama mais contido, de introspecção e contato com o mundo. De criança que teme o toque das pessoas, Anna se torna uma adolescente de fato, aberta a experiências (e a mudança na fisionomia da personagem é feita sutilmente no traço), quando a natureza se revela para ela à beira-mar.

O sobrenatural surge no filme de Yonebayashi mais como um pretexto do que como um elemento transformador de fato, na história de Anna. Embora a trama de As Memórias de Marnie se desenrole entre lembranças e sonhos, é a descoberta do tato que fundamentalmente liberta a personagem: o contato com a água do mar, as trilhas e os atalhos no mato, o quimono sujo de terra. Tudo de que Anna precisa para crescer está na natureza, tanto os prazeres e a segurança (nas cenas com os tios, cortando tomates, mexendo na comida) quanto os terrores do desconhecido (a maré que sobe de repente, a tempestade de vento).

Ao mesmo tempo em que romantiza o cenário de um jeito quase metalinguístico - nas cenas com a pintora à beira-mar, que faz quadros da paisagem muito semelhantes à paleta de cores usada ao longo do filme para pintar o verde do dia e o azul do luar - Yonebayashi não torna essa experiência alienante. Pode parecer uma imagem chocante para nós os momentos em que Anna desperta de sonhos, jogada inconsciente na lama, de bruços, à beira da estrada, mas se existe algo em As Memórias de Marnie que esteja próximo de emular a violência do mundo, as dores do crescimento, são esses instantes de comunhão mais direta com a terra.

Britânico na origem, As Memórias de Marnie termina absolutamente japonês no seu respeito aos elementos, e ao pequeno gesto.

Nota do Crítico
Ótimo