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Boi Neon | Crítica

O melhor do Brasil é o brasileiro

08.10.2015, às 08H43.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

Dizia-se no auge da Retomada que a elite brasileira não era retratada no cinema porque não daria boas histórias, e da mesma forma é muito raro ver nas telas hoje a nova elite do agronegócio que prosperou no interior do país. Se Boi Neon (2015) tem uma particularidade, à primeira vista, é esboçar uma aproximação entre os Brasis diferentes que vivem do gado.

Os personagens ricos do filme de Gabriel Mascaro não surgem como figuras sádicas com seus pequenos poderes, como os agroboys de Baixio das Bestas, nem como os folclóricos latifundiários do coronelismo, e sim como tipos desapaixonados que vivem em função do seu negócio: o fazendeiro que troca funcionários sem pensar, o apresentador que tenta injetar, maquinalmente, algum drama no leilão. Olhando para eles, não é difícil entender por que a elite não dá bons filmes. Falta-lhes a jornada, o sonho impossível.

Em meio a esse mundo feito de repetições - tocar o gado, abrir a porteira, derrubar a res, lavar e lavar - que Mascaro escolhe filmar em Scope, o que ressalta a horizontalidade maçante desse processo industrial, desponta Iremar (Juliano Cazarré), mão-de-obra das vaquejadas que almeja se tornar estilista. O Brasil ao redor de Iremar se multiplica em oportunidades - shoppings em construção, complexos industriais sempre presentes no horizonte, mesmo inseridos digitalmente - e no Nordeste do século 21 talvez esse não seja um sonho tão impossível assim.

Depois de ganhar notoriedade como diretor de documentários feitos em cima do conflito de classes, como Doméstica e Um Lugar ao Sol, Mascaro estreou na ficção com Ventos de Agosto, um filme que aderia à tradição contemporânea do cinema pernambucano de tratar do sexo e do corpo como um manifesto político. Essa adesão se desdobra em Boi Neon, na medida em que o filme sugere que aquilo que separa Iremar e seus pares da gente rica do agronegócio é menos uma pré-condição econômica e mais um potencial à espera de se realizar - acima de tudo um potencial físico.

Imaginemos que Iremar enriqueça. Nada o impede de se tornar um milionário entediado, ainda que faça o que ama. O Iremar de Boi Neon, porém, como os garanhões do leilão, vibra de oportunidade; a sua inquietação se confunde com o desejo represado, e o filme brinca com essa expectativa ao se recusar até o último instante a definir a orientação sexual do personagem. Mascaro filma a figura apolínea de Cazarré não como um brinquedo sexual óbvio, ao contrário da novela das 9, mas como um potencial secreto: a camisa entreaberta, o trabalho físico na vaquejada que Iremar faz sem esforço, sem exibicionismo.

Se Boi Neon frequentemente torna mais didática a aproximação que está fazendo entre os animais e a pulsão do sexo - na máscara de boi que Maeve Jinkings usa na noite, na cena do adestrador que se deita literalmente com seu cavalo - isso não tira a força das cenas com Cazarré. Não seria exagero dizer que o sucesso internacional do filme deriva em boa medida da figura do ator, com sua fotogenia tão afrodisíaca para o estrangeiro, e Mascaro não se furta a filmar sua nudez, ainda que a câmera mantenha distância dos corpos o tempo inteiro, e algum pudor.

Mas que riscos corre um filme como Boi Neon? Da mesma forma que obras irmãs, como os recentes Era uma vez Eu, Verônica e Tatuagem, também se conformavam com o sexo mais como um fim do que como um meio, em Boi Neon a política dos corpos periga se tornar um recurso dramatúrgico apaziguador, apesar da sua aparente "coragem" de desnudar. Não que Mascaro tenha feito um sexploitation de arte para exportação, não é isso, mas acaba que Boi Neon, como seu protagonista, pulsa o tempo inteiro com potenciais ainda à espera de se realizar.

Nota do Crítico
Bom