Com Amor, Simon, adaptação cinematográfica do livro Simon Vs. A Agenda Homo Sapiens, traz uma proposta bastante simples, mas frequentemente mal executada: mostrar a rotina padrão de um adolescente, com a avalanche de novas experiências comuns ao período, através da ótica LGBT. Parte considerável dos produtores de conteúdo ainda tem dificuldade de encontrar a medida certa no que diz respeito a mostrar que a vida de, por exemplo, um rapaz gay não se resume à sua orientação sexual, mas que muito de sua vivência e formas de encarar situações cotidianas é, sim, influenciada por isso. O filme acerta o ponto com maestria e consegue contar a história de Simon (Nick Robinson), um adolescente que está mudando a forma de encarar a própria homossexualidade, sem resumir a existência dele a esse aspecto, mas também sem ter medo de dar o peso que essa parcela de sua personalidade deve ter.
O sucesso na escolha do tom do filme pode ser creditado ao diretor Greg Berlanti, que, apesar de não ser um nome tão conhecido no cinema - esse é apenas o terceiro filme dirigido por ele -, é bastante relevante no mundo da televisão. Berlanti está há bastante tempo familiarizado com a rotina de falar com adolescentes e jovens adultos sem ruídos etários na comunicação e isso é fruto de sua experiência como produtor de séries como Arrow, The Flash, Supergirl, Riverdale, Legends of Tomorrow e Raio Negro. Essa bagagem profissional reverbera em Com Amor, Simon quando Berlanti acerta em coisas como a linguagem adolescente e as referências culturais, passando longe de criar situações que soem forçadas ou exageradas.
Há algo de muito interessante no filme ao não colocar o protagonista ao redor dele uma redoma imaculada. Paralelamente às suas tentativas de sobreviver ao inóspito ambiente escolar, Simon acaba metendo os pés pelas mãos e tomando decisões questionáveis em outros campos de sua vida. Como uma bola de neve, conforme o personagem tenta se livrar de uma situação desconfortável, vai gerando outras e a forma como isso se desenrola na trama merece ser elogiada. A simplicidade na confusão de Simon é algo que só poderia ser de fato justificado pela imaturidade adolescente, fase onde muito do que as pessoas aprendem na vida parte da lógica de tentativa e erro.
Se o filme é um deleite para o público LGBT, pela identificação com situações-chave que são conduzidas com a mesma leveza e naturalidade aplicaa em narrativas focadas em jovens personagens heterossexuais, o filme também garante a identificação do público fora desses espectro. Isso pelo fato de que o grande pano de fundo acaba sendo a adolescência: valores como amizade, curiosidade, descobertas e conflitos típicos por não saber lidar direito com os sentimentos permeiam a história inteira. A amizade e os problemas presentes no grupo formado por Simon, Leah (Katherine Langford), Abby (Alexandra Shipp) e Nick (Jorge Lendeborg Jr.) flui de forma sincera e agrada o espectador. Langford, aliás, surpreende positivamente mesmo dando vida a uma personagem que carrega vários paralelos com a personalidade de seu papel mais emblemático até então, a Hannah Baker de 13 Reasons Why.
O filme também garante cenas emocionantes sem precisar fazer um esforço descomunal - a sensibilidade que brota das relações interpessoais é muito orgânica. Com Amor, Simon acerta ao não abordar a orientação sexual do protagonista dentro da lógica da descoberta, ou seja, como algo que não estava ali e, de repente, apareceu. O autoentendimento é mostrado como um processo e, mesmo assim, não é o foco da história do personagem. O filme basicamente funciona dentro do recorte momentâneo em que, pela primeira vez, o que acontece dentro de Simon interage com o meio externo - o receio dele em sair do armário diz mais sobre a sociedade e as pessoas a sua volta do que sobre o protagonista, no fim das contas.
Essa dicotomia entre o medo de se expressar e a necessidade de confrontar lugares-comuns que pontuaram erroneamente sua vida gera interações realmente cativantes ao longo do filme. Vale o destaque para o núcleo familiar de Simon: Jennifer Garner vive Emily, a moderna mãe do jovem, e comanda sem dificuldades o momento mais carregado de emoção do filme durante um diálogo crucial entre ela e o filho. Josh Duhamel, que vive o pai Jack, dá vida a um estereótipo mais comum do que seria desejado de pai que comete erros involuntariamente pontuais e, verdade seja dita, não consegue imprimir a mesma fluidez e intensidade de Garner, mas não compromete a mensagem de seu personagem e diverte.
Com Amor, Simon não reinventa a roda, mas para de tentar fazer com que ela gire como se fosse um quadrado. O filme dá conta do recado com um roteiro simples e despretensioso e coloca o público em uma montanha-russa - ou, mais adequadamente, uma roda-gigante - que vagueia por momentos de romance, drama, comédia. O próprio fato do filme se propor a contar uma história que não seja revolucionária ou grandiosa já é um passo importante na missão de avançar em questões ligadas à representatividade LGBT. Berlanti acerta na linguagem e na intensidade de todas as situações apresentadas e o resultado disso é uma sensação de leveza e empatia ao sair do cinema. Com a premissa de que "todo mundo merece uma grande história de amor", Com Amor, Simon mostra o quão óbvio e simples deveria ser aceitar - e respeitar - essa máxima.