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Crítica

Crítica: Fim dos Tempos

Assim como seus misteriosos suicidas, Manoj Shyamalan anda para trás

12.06.2008, às 16H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H36

fim dos tempos

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Fim dos Tempos é desastroso. Mas não dá pra acusar o cineasta M. Night Shyamalan de incongruência. O seu oitavo longa-metragem retrabalha o tema dominante de O Sexto Sentido (1999) e Sinais (2003): ciência versus fé. Tema esse que tocou também Corpo Fechado (2001) e A Vila (2006) e que ganhou em A Dama na Água (2006) uma variação: realidade versus imaginação.

Na trama de Fim dos Tempos, Elliot Moore (Mark Wahlberg) é um professor de Ciências que atravessa uma crise com sua esposa, Alma (Zooey Deschanel). Ela flerta com o adultério, ele acredita no casamento. Como nos grandes filmes-catástrofe, a relação dos dois será testada diante de um evento maior. Elliot e Alma estão no centro de um ataque contra a humanidade - uma toxina que chega com o vento e faz com que o cérebro humano perca o senso de auto-preservação. Em outras palavras, um inimigo que ninguém enxerga faz os personagens de Fim dos Tempos se suicidarem.

De um lado, o da ciência, temos um fenômeno inexplicável, em sintonia com discursos politicamente corretos da atualidade. Em oposição a essa vanguarda ecológica, há a tradição, o arcaico, a crença de Elliot na instituição do casamento - cujo símbolo não poderia deixar de ser o anel que ele carrega. Shyamalan mostrou em Sinais que entende o núcleo familiar como uma tábua de salvação. Aqui, numa tentativa curiosa do cineasta de se equilibrar entre o liberal e o conservador, o peso desse paradoxo cai nas costas de Mark Wahlberg.

O fato de Wahlberg ser um profissional limitado, franzindo a testa a cada um dos insistentes close-ups frontais de Shyamalan, é só um dos fatores que causam a implosão de Fim dos Tempos. Os temas estão lá, mas a execução é falha.

Para começar, a exposição chega a ser primária: em um plano temos um amontoado de pessoas olhando apreensivas, no contraplano temos uma televisão ou um rádio dando detalhes da tragédia. Será que o cineasta não consegue nos narrar os ocorridos de forma menos banal do que num mero noticiário na TV? Os próprios dados sobre os personagens nos são passados de forma banal, apressada. Nas duas primeiras vezes que aparece em cena, Julian (John Leguizamo) já nos entrega tudo o que precisamos saber sobre a esposa do professor... Se ela vacila diante do inesperado, como Julian diz, Shyamalan não poderia ter dito - ou pelo menos mostrado - isso pra gente de forma menos convencional?

Acostumamo-nos a esperar do indiano construções inteligentes de situação, que não subestimam a inteligência do espectador - esperamos clima, enfim -, e a maneira absolutamente burocrática como ele narra Fim dos Tempos é no mínimo desanimadora. E se você vai fazer um filme ambicioso, em que o "vilão" é uma brisa, confie na sua mão. Porque é aquela coisa: quanto maior o salto, maior o tombo.

Aliás, se Shyamalan se habituou a ser chamado de Hitchcock dos nossos tempos, deveria rever uma das lições do mestre: resolver situações com diálogos apenas quando não é possível resolvê-las com imagens. Quando, no fim do filme, a voz em off de Wahlberg vem explicar algo que já tínhamos entendido visualmente, eu fiquei consternado. Como alguém que zela tanto por seu nome como Shyamalan, a ponto de escrever um livro contando suas brigas com executivos de cinema a respeito de questões criativas, comete uma barbeiragem de didatismo dessas?

É de botar em dúvida o talento do sujeito... Mas não condenemos ninguém no calor da estréia. Basta dizer que, assim como os suicidas de Fim dos Tempos, dessa vez Shyamalan andou para trás.

Nota do Crítico
Regular