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Crítica

Crítica: O Bem Amado

O cinema de Guel Arraes continua tendo na palavra seu forte e sua fraqueza

22.07.2010, às 16H09.
Atualizada em 03.11.2016, ÀS 08H08

O comentário feito no começo da crítica de O Coronel e o Lobisomem continua valendo: a força e a fraqueza do cinema de Guel Arraes vêm ambos da palavra, e é assim também em O Bem Amado.

bem amado

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Assim como o coronel vivido por Diogo Vilela no filme de 2005, ou como os João Grilos antes dele, Odorico Paraguassu (Marco Nanini) exerce sua influência pelo verbo. Desde a peça e a telenovela escritas por Dias Gomes, Odorico já era conhecido por enrolar as pessoas com seu discurso tucanado, cheio de advérbios inventados. Em Guel Arraes e em Nanini, o espírito de Odorico refaz sua possessão verborrágica de forma plena.

E Odorico, na trama, gasta a língua para defender seu mandato como prefeito de Sucupira. Empossado depois do assassinato de seu antecessor, o político do partido conservador anuncia como grande obra do seu governo um cemitério para a cidade. Acontece que ninguém morre e a inauguração nunca acontece. Enquanto isso, a imprensa de oposição, sua filha descolada e as solteironas do local não dão descanso a Odorico.

Da obra do falecido Dias Gomes, o mais politizado dos autores de novela da Rede Globo, o filme adapta algumas situações (as irmãs beatas agora são mais abusadas), reduz núcleos para facilitar a rede de acasos e conserva a sátira política. Sucupira sempre foi uma metáfora para o jeito regionalista de fazer política no Brasil, e o filme obviamente tomaria isso como ponto de partida.

Mas aí entra a falta de medida de Guel Arraes com o texto. As analogias entre Sucupira e Brasil, por exemplo, são repetidas à exaustão - no começo, nas comparações com o governo Jango, e no final, com as referências às Diretas Já e a desnecessária fusão na imagem do globo terrestre. O Bem Amado não é o primeiro filme a subestimar a capacidade do espectador de entender um subtexto, nem será o último.

A coisa fica mais aguda no miolo do filme. Imagine a torrente de informações: o roteiro não só compacta todo o período da novela (os saltos temporais são agressivos; em três cenas se passam três meses) como ocupa todo e qualquer tempo morto com canções. Odorico para de falar, esperamos ter um respiro, mas corta para uma externa com grua da população e entra uma música de Caetano para fazer mais comentários em cima da imagem.

Existe toda uma tradição de comédia que joga com o excesso de informações, as comédias screwball que Hollywood pegou emprestado nos anos 20 e 30 das farsas teatrais. Só que a lógica das screwball comedies exige que o texto seja constante mas linear, e não se jogue um "segundo texto" por cima (em O Bem Amado esse segundo texto é a música incidental e a narração em off).

Se o filme abraçasse o texto horizontal e evitasse o sobretexto verticalizado, ganharia bastante. Mas isso já implica acreditar nos diálogos pura e simplesmente, acreditar na simplicidade das imagens e na inteligência do espectador - o que hoje em dia é cada vez mais raro.

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Nota do Crítico
Regular