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Crítica

Crítica: Um Homem que Grita

Premiado filme do Chade não põe nos outros - ou em Deus - a culpa pelo mal

18.11.2010, às 19H54.
Atualizada em 02.11.2016, ÀS 10H01

"O povo do Chade não acredita em Deus", disse o diretor Mahamat-Saleh Haroun no debate após a sessão na Mostra de Um Homem que Grita (Un Homme qui Crie, 2010). Uma das quatro repúblicas africanas que um dia formaram a antiga África Equatorial Francesa, o Chade vive em guerras civis sazonais (a última é de 2008) e pobreza perene, mas, pelo menos nas palavras de Haroun, seu povo sabe que a guerra não é um ato de cima, mas uma criação dos homens.

um homem que grita

um homem que grita

um homme qui crie

O protagonista do filme - o primeiro do Chade a competir no Festival de Cannes, de onde saiu com o Prêmio do Júri - ainda não tem essa consciência. Adam (Youssouf Djaoro) é o salva-vidas de um hotel para estrangeiros, administrado por chineses, na capital N'Djamena. Enquando a guerra se intensifica do lado de fora, Adam, campeão de natação do Chade nos anos 60, repousa na piscina como se o cargo lhe fosse um direito natural ou divino. Não é, evidentemente, e Adam aprende isso da pior maneira.

O muçulmano Haroun não economiza nas simbologias cristãs para demarcar o desabrochar político de Adam. Expulso do seu paraíso particular que é a piscina, este Adão não demora a reconhecer que "nosso problema é que colocamos nosso destino na mão de Deus". Esse fundo religioso não apenas aproxima Um Homem que Grita dos clássicos a céu aberto de Howard Hawks, para quem os homens só devem prestar contas a si mesmos, como ganha outra dimensão se pensarmos na colonização catequizante sofrida pela região.

Um Homem que Grita não se derrama, embora possa parecer, em nenhuma grandiloquência. Seus conflitos - geracionais, sociais - se estabelecem nos detalhes e evoluem aos poucos. Como o fato de o filho de Adam já ter, talvez inconscientemente, uma noção de que tudo ao seu redor é provisório, com a sua mania jovem de fotografar as coisas o tempo inteiro. É uma consciência que Adam, ainda anestesiado e indiferente ao barulho constante dos helicópteros e jatos sobre sua cabeça, demora a conquistar, dentre tantas outras.

Embora tenha seus momentos truncados - como a cena funcional da vizinha que se despede - Um Homem que Grita é um belo melodrama sobre despertares. Principalmente por ser uma produção africana que não joga culpas nos antigos colonizadores. Dentro da ideia de que é o homem o responsável por sua vida, lamentar o passado de exploração equivaleria a se contentar com as escolhas duvidosas feitas por Deus.

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Nota do Crítico
Ótimo