Não há lógica alguma na refilmagem de Deixa Ela Entrar (Låt den Rätte Komma In, 2008) em Hollywood.
Deixe-Me Entrar
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Remakes de sucessos "estrangeiros" são movidos pelo seu potencial de bilheteria, contando com a aversão do público estadunidense aos filmes legendados. Espera-se que o sucesso já testado e aprovado em seu país de origem seja capaz de obter nos EUA um montante equivalente ao gerado além das suas fronteiras.
Deixa Ela Entrar (rebatizado Let the Right One In por lá) circulou por festivais de terror e independentes nos EUA com sucesso em 2008 - e o público consumidor do gênero o conferiu com enorme entusiasmo. Como adaptações visam normalmente expandir a abrangência da produção, era esperado que o remake, Deixe-me Entrar (Let Me In, 2010), fosse diferente do original, mais amigável ao espectador, o que não aconteceu.
O diretor Matt Reeves (Cloverfield) ignorou o mercado e realizou uma refilmagem quase sem concessões de Deixa Ela Entrar. Considerando o funcionamento da máquina hollywoodiana, a opção é corajosa, já que o filme vai totalmente ao encontro da premissa original. Mas pra quê refilmar se o público interessado será em sua grande maioria o mesmo que já conferiu o (excelente) primeiro filme?
Tal mistério insolúvel não é privilégio de Deixe-me Entrar. Outros filmes (Violência Gratuita vem imediatamente à cabeça) já tentaram essa curiosa estratégia, também sem sucesso. É como se os EUA só pudessem chancelar um filme como obra digna de nota se ele ganhasse o selo de aprovação chamado "remake".
O grosso da trama continua o mesmo. O menino de 12 anos Owen (Kodi Smit-McPhee, de A Estrada), negligenciado pelos pais, sofre com os garotos mais velhos da escola. Owen passa os seus dias fantasiando sua vingança e as suas noites espiando o que acontece nos outros apartamentos da vizinhança. É aí que conhece uma nova vizinha, Abby (Chloe Moretz, de Kick-Ass), menina que se muda para a casa ao lado com seu silencioso guardião (Richard Jenkins).
Discussões mercadológicas à parte, se você ainda não assistiu Deixa Ela Entrar, Deixe-me Entrar é uma recomendação quase tão válida quanto. Reeves manteve todas as discussões da produção sueca (como a metáfora da adolescência) e apara algumas arestas do roteiro original. O novo Oskar, Owen, por exemplo, é ainda mais solitário, o que é evidenciado pela omissão do rosto da mãe e da figura do pai, restrito a uma voz ao telefone. Reeves também conta com elenco superior e mais recursos, o que torna as cenas de ação mais empolgantes. A sequência do capotamento é bastante superior ao sequestro no vestiário.
A mão do diretor de Cloverfield, porém, pesa ao tentar reproduzir o ataque na piscina, momento minimalista e antológico da produção nórdica. Outras novidades dispensáveis buscadas na versão norte-americana são um pano-de-fundo político, que tece comparações entre a administração de Ronald Reagan (1981-1989) com as retaliações sugeridas pela vampira Abby, e o martelamento da afeição entre os protagonistas temperado com aparições esporádicas de Romeu e Julieta.
"Me" não faz feio perante "Ela". Mas o filme norte-americano poderia ter incorporado mais elementos do livro que originou ambos, buscado outras soluções e estilo, seu próprio rumo, para que ao menos os fãs da criação do romancista John Ajvide Lindqvist pudessem ter disponíveis abordagens distintas da mesma história. Isso definitivamente teria afastado da produção esse tom de estranheza e a falta de lógica.