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Diário de um Jornalista Bêbado | Crítica

Depois de Medo e Delírio, agora Johnny Depp encarna Hunter Thompson como um proto-gonzo idealista

19.04.2012, às 19H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H45

Embora tenha sido publicado apenas em 1998, Diário de um Jornalista Bêbado é o segundo romance que Hunter S. Thompson escreveu, logo depois de trabalhar brevemente, em 1960, como repórter em um jornal em Porto Rico. Embora o criador do jornalismo gonzo já tivesse, àquela altura, dois anos de experiência de campo, o livro acusa a inocência com que Thompson ainda encarava o ofício - era um jornalista romântico, como o próprio reconheceu anos depois.

the rum diary

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O filme Diário de um Jornalista Bêbado (The Rum Diary), que o amigo (e ótimo imitador) de Thompson Johnny Depp insistiu por anos para que saísse do papel, exacerba esse romantismo. Depois de emular Thompson na fase mais surtada do escritor, em Medo e Delírio (1998), agora Depp faz Paul Kemp, alter-ego de começo de carreira do gonzo. Kemp arruma um vaga em um jornaleco em San Juan, Porto Rico, e logo se vê num dilema moral: seguir as ordens do patrão (e dos endinheirados dos EUA) e reportar as maravilhas paradisíacas do Caribe ou investigar a especulação imobiliária que está tirando o poder da terra dos portorriquenhos.

Como se esperaria, há em Diário... muito rum, cabeças inchadas e insolação, com as tiradas certeiras do escritor preservadas ("Porto Rico parece aquela pessoa que você comeu e ainda não saiu debaixo de você") e um elenco bastante inspirado (especialmente Depp, com seu timing cômico, e Richard Jenkins), apesar da timidez com que o diretor Bruce Robinson se arrisca na comédia física. O que dá o tom do filme, porém, não é a acidez ou o cinismo - que hoje em dia parece ser norma - e sim a melancolia e o idealismo de Kemp.

Como a subtrama que gira em torno da paixão de Kemp pela bela Chenault (Amber Heard) a certa altura domina o filme, esse ideal localizado - livrar a loira doce do vilão burocrático e dar a ela um amor à altura da sua alegria de viver - irradia-se por toda a relação que Kemp mantém com Porto Rico e sua gente (também exótica e viva, com suas rinhas de galo, seu carnaval e suas feitiçarias). Mas essa relação só vai até certo ponto. Diário... é mais um filme sobre a descoberta súbita do outro do que sobre a descoberta de uma possível influência que se pode ter sobre esse outro.

É como se estivéssemos diante de um Hunter Thompson Begins (e o final inconclusivo reforça isso). Em outras palavras, é o proto-gonzo - já que, por definição, o jornalismo gonzo implica um observador que invade e altera de tal forma seu objeto de observação que ele torna-se protagonista da própria pauta. Aqui, Kemp/Thompson é mais um figurante (inclusive servindo de "intérprete" para o espectador, no ingênuo diálogo em que o jornalista pergunta se o conchavo dos poderosos não seria ilegal) do que propriamente esse protagonista.

O que o filme de Robinson tem de mais interessante, portanto, é um dos momentos exatos em que podemos perceber a gênese do gonzo: quando Kemp (depois de ter bebido o filme todo, o que favorece) experimenta ácido e, sob a influência do piscotrópico, "altera" literalmente a realidade ao seu redor. Medo e Delírio leva isso ao extremo; é a ordem física do mundo alterada por completo na viagem - individual e intransferível - do LSD. Em Diário de um Jornalista Bêbado, essa transformação do entorno é mais sutil, mas não menos definitiva e definidora.

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Nota do Crítico
Bom