Cena de Drácula: A Última Viagem do Deméter (Reprodução)

Filmes

Crítica

Visual impactante não salva A Última Viagem do Deméter do tédio narrativo

O diretor André Øvredal sabe fazer terror, mas se vê preso em maquinações hollywoodianas

25.08.2023, às 16H01.

Poucos filmes de terror de 2023 têm ou (aposto) terão imagens tão marcantes quanto as que preenchem Drácula: A Última Viagem do Deméter. O diretor André Øvredal (Histórias Assustadoras Para Contar no Escuro) sabe se aproveitar da ambientação náutica de sua história, abusando de silhuetas recortadas contra o céu noturno, de vultos escondidos por trás do pano e das cordas das velas do seu navio, de corredores estreitos ladeados pelas tábuas frágeis que compõem o casco da embarcação. Recrutando dois diretores de fotografia, o seu parceiro habitual Roman Osin e o mais veterano Tom Stern (indicado ao Oscar por A Troca), Øvredal cria um universo imagético excitante… para um filme que é tudo, menos isso.

Muita gente vai dizer que dava para ter previsto o fracasso de A Última Viagem de Deméter, como narrativa, só pela premissa: trata-se de uma adaptação (ou melhor, expansão) de um único capítulo do Drácula de Bram Stoker, ambientado no navio que leva o rei dos vampiros e seus pertences da Transilvânia para o Reino Unido. Já sabemos, seja pelo livro ou pelas dezenas de filmes que o adaptaram, que o barco chega dilapidado ao litoral britânico, uma vez que Drácula trata de “se alimentar” da tripulação. Houve quem brincasse, no Twitter, que o filme sofria do mesmo mal que a própria tripulação do Deméter: no stakes (“sem estacas”, na tradução literal, mas também uma expressão para indicar uma situação em que nada está de fato em risco).

É possível, no entanto, contar uma boa história da qual já sabemos o desfecho, e o cinema nos dá dezenas de exemplos: Moulin Rouge! abre nos contando que Satine (Nicole Kidman) vai morrer nos braços de Christian (Ewan McGregor); quase todas as versões de Romeu e Julieta acabam exatamente do mesmo jeito, com os dois jovens amantes cometendo um duplo suicídio acidental; todo mundo sabe que Elizabeth Bennett e o Sr. Darcy ficam juntos no fim de Orgulho e Preconceito; e você muito provavelmente sabia o que o governo americano planejava fazer com a bomba atômica de Oppenheimer.

O que eu quero dizer é que, especialmente quando o material base é tão escasso quanto no caso deste filme, até tramas com finais gravados a ferro e fogo - seja na história, na sua própria mitologia ou na literatura - deixam espaço narrativo para os roteiristas inventarem seus personagens, as relações entre eles e as circunstâncias do que os leva ao seu destino. Se o final é trágico, ainda melhor, porque cada diálogo e desenvolvimento de trama pode ser colorido pela consciência pesarosa que temos do que vem por aí. O problema é que Drácula: A Última Viagem do Deméter se mostra incapaz de fazer qualquer uma dessas coisas com espirituosidade ou, pelo menos, eficiência.

A culpa é do roteiro, assinado por Bragi F. Schut (Trem-Bala) e Zak Olkewicz (Samaritano), que alterna entre tropeçar no óbvio com seus lances discursivos sobre religiosidade e abraçar com força o chavão hollywoodiano da construção de franquia. Seja em seu herói médico água com açúcar (Corey Hawkins), em seu simulacro de liberação feminina com a personagem “durona” de Aisling Franciosi, ou na fabricação de um gancho absolutamente despropositado que marca os seus minutos finais, A Última Viagem do Deméter tem todas as marcas da linha de produção em massa que o gerou - e nenhuma consciência de si mesmo como evidência maior do plano absurdista ao qual chegamos dentro do sistema de estúdios hollywoodiano.

De fato, talvez esse seja o filme que prova, de uma vez por todas, o caráter opressivo e inescapável desse mesmo sistema. Ver Drácula: A Última Viagem do Démeter é entender que não há design de criatura arrepiante ou senso estético carregado de energia que salve um cálculo corporativo vazio querendo se passar por filme. Taí a lição que os produtores deveriam ter tirado daquele capítulo do livro de Bram Stoker: tal qual uma história sem alma ou propósito, um navio sem tripulantes nunca vai chegar ao seu destino - ou, ao menos, não vai chegar inteiro.

Nota do Crítico
Ruim