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Crítica

Flow rejeita animais à la Disney para ser uma das melhores animações do ano

Premiado no Festival de Annecy, filme francês apresenta bichos como bichos

02.12.2024, às 06H00.

Do Gato Félix aos Looney Tunes, histórias protagonizadas por animais já eram a base das animações americanas há tempo. Mas nos últimos 30 anos Disney e DreamWorks exploraram tão a fundo a dinâmica antropomórfica que nós saímos de “leões cantando na selva” para “todo tipo de espécie animal vivendo e trabalhando como humanos numa metrópole” sem sobressaltos. Se há uma linha de raciocínio que conecta um destes filmes a outro, isso é algo que Flow rejeita.

Se filmes como Zootopia e Fantástico Sr. Raposo apresentam animais humanizados que revertem para seus instintos primitivos tipicamente quando há uma chamada pelo humor ou para separá-los entre heróis e vilões, a animação de Gints Zilbalodis prefere olhar os bichos como o que eles são, por natureza. É claro que Flow adiciona um grau de personalidade aos seus personagens, tipicamente relacionado ao nosso entendimento daquela espécie de animal, mas eles jamais falam. O Gato que protagoniza o filme é independente. O Cachorro é brincalhão. A Garça é orgulhosa. E assim vai.

Esse minimalismo é acompanhado pelo estilo de animação, que de comum com as megaproduções de estúdios hollywoodianos tem apenas o uso do 3D. O visual é melhor definido pelo pouco uso de texturas, em sua maioria chapadas e de cores desbotadas – a melhor comparação é com a trilogia de games de Fumito Ueda, mais conhecido por Shadow of the Colossus e The Last Guardian. A escolha confere ao longa o ar de mistério. Isso permanece até o fim da aventura, e é engrandecido pela presença de elementos incrementalmente fantasiosos que o grupo de animais acompanha na sua inesperada jornada.

Esta começa com uma inundação na floresta. A imagem imediatamente traz à mente questões climáticas, mas o mundo de Flow sugere que, se um dia houve humanos aqui, eles se foram há muito tempo. Para trás ficaram utensílios, monumentos e casas que geram fascínio tanto no Gato quanto no espectador. A câmera de Zilbalodis permanece na altura do animal principal enquanto ele sobrevive à água e aos perigos que ela traz se juntando com Cachorro, Garça, Capivara e Lêmure. Cada um dos cinco parece ser um tipo de rejeitado dentro de sua espécie, e resta a eles trabalhar juntos para sobreviver aos encontros com tempestades, rivais e às grandes criaturas marinhas que invadem terra firme.

Enquanto navega pelos rios recém-formados nesse tsunami, o filme não demonstra muito interesse nos tons emotivos de uma Pixar, e apesar de ocasionalmente intensificar o risco e nos deixar temendo pela vida dos nossos favoritos, Zilbalodis opta pelo fascínio e divertimento mais do que pela narrativa comovente. É claro que o grupo tem altos e baixos, e Flow sem dúvidas argumenta que, mesmo que não consigamos deixar nossa natureza inteiramente para trás, há valor em sair da zona de conforto e contar com o outro. O foco, contudo, é o descobrimento do mundo através dos olhos de seus mais frágeis habitantes.

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A escala das estruturas, os desafios a serem completados em quatro patas, o deslumbramento de ver o fantástico – assistir a tudo isso da perspectiva do Gato intensifica em nós mesmos o faro pelo espetáculo. Há, é claro, valor em ver o protagonista se abrir aos poucos para o bobalhão Cachorro, incansável em suas tentativas de amizade, e a simplicidade desses comportamentos pinta seus atos mais grandiosos de significado, mas o maior sucesso de Flow está nessa progressão em direção ao desconhecido.

Vencedor de três prêmios no Festival de Annecy, Flow ainda não tem distribuição no Brasil.

Nota do Crítico
Ótimo