As críticas que se fazem ao capitalismo no cinema frequentemente batem na tecla da exclusão, como se já não tivéssemos nós todos, bem ou mal, sido assimilados pelo sistema. Filmes como o norueguês Headhunters (Hodejegerne, 2011) são mais interessantes hoje porque partem de um ponto além, em que o mal estar surge não das imperfeições do sistema, mas de sua suposta e sufocante precisão. É o drama do capitalista eficiente.
headhunters
headhunters
headhunters
O norueguês Roger Brown (Aksel Hennie) é o headhunter do título, cuja profissão depende, acima de tudo, da precisão. Headhunters são os caça-talentos do mundo corporativo, gente contratada por empresas para procurar no mercado os executivos ideais para posições de liderança. Na trama do filme, Roger sabatina os candidatos a essas vagas em Oslo para, secretamente, aplicar golpes: ele descobre se o entrevistado tem obras de arte em casa, seus hábitos e seus horários, e então invade-lhes a residência para trocar as telas originais por falsificações.
O esquema começa a ruir quando, cego de dívidas para pagar os mimos que ele compra para sua loira e alta esposa, Roger escolhe como vítima um veterano de guerra, o sueco Clas Greve (Nikolaj Coster-Waldau, o Jaime Lannister de Game of Thrones), ex-diretor de uma empresa de rastreamento. E então descobrimos que Roger não é o único "caçador de cabeças" da história.
Headhunters se baseia no romance homônimo de 2008 do escritor Jo Nesbø, tido por seus compatriotas como o "Stieg Larsson norueguês". Assim como o autor sueco da trilogia Millennium, Nesbø também usa o thriller policial para comentar o estado da sociedade de seu país. O eterno complexo de inferioridade dos noruegueses diante dos suecos (dá pra encarar Headhunters como uma versão menos escrachada de O Grande Chefe de Von Trier) e a obsessão com as aparências do exercício do capitalismo são os alvos aqui.
"Alvos" é a palavra porque o filme do diretor Morten Tyldum realmente elege Roger como o cristo que vai expiar todos os pecados do capital. O objetivo do conto sádico-moralista de Headhunters é literalmente despir o personagem de todas as suas superficialidades e fazer com que ele encontre, afundado na merda, do-fundo-do-seu-ser, uma razão genuína para sobreviver. A schadenfreude se consuma nas cenas em que, caçado por Clas, Roger começa perdendo a dignidade, depois a esposa, o carro, a roupa, o relógio, os cabelos.
Nos seus melhores momentos, quando parece ter tirado de Roger todas as possibilidades de escapar, o filme alcança um grau de imprevisibilidade que é o contraponto ideal àquele projeto inicial de precisão e cálculo. Não deixa de ser bonito ver o Capitalista Eficiente apelando para a sorte. Talvez por isso o final de Headhunters seja um pouco desestimulante - não só porque bate aquele déjà vu básico de Onze Homens e um Segredo (narração em off e clipagem de flashbacks explicando o passo-a-passo do golpe final) mas também porque devolve ao filme uma frieza que não parecia ter mais lugar depois de tantas sucessões de acasos.
Talvez o final fosse mais satisfatório se seguisse na linha do Vício Frenético de Werner Herzog, em que o anti-herói, diante do completo desarranjo do mundo, abraça o caos e ali encontra uma purificação. De qualquer forma, o final de Headhunters é outro, e do jeito que está não demoraria até aparecer um capitalista pronto a transformar sua ótima premissa numa refilmagem hollywoodiana. O remake vem aí.
Headhunters | Trailer legendado
Headhunters | Cinemas e horários