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Crítica

Depois de 15 anos, Jason Statham e Guy Ritchie atualizam parceria em Infiltrado

Remake oferece oportunidade de combinar filme de assalto e filme de vingança - o passado e o presente

26.08.2021, às 11H07.
Atualizada em 26.08.2021, ÀS 11H36

O homem movido por vingança pode até sentar numa montanha de dinheiro e isso não vai afetar sua determinação. Esse clichê dos thrillers de vingança que o cinema nos vendeu se transforma na própria premissa de Infiltrado, remake do filme francês Cash Truck, de 2004, sobre um chefão do crime que precisa se infiltrar como segurança numa companhia de carros-fortes para descobrir quem organizou o assaltou que tomou a vida do seu filho.

Infiltrado marca a reunião do diretor Guy Ritchie com o hoje astro Jason Statham, e parece um material feito sob medida para que esse reencontro aconteça, depois de 15 anos, revigorado. Ritchie foi o responsável por fazer entre 1998 e 2000 os filmes ingleses de gangue que tornaram Statham conhecido mundialmente, e hoje, aos 54 anos, o ator já se qualifica para estrelar seus próprios thrillers de vingança de meia-idade, tendência que Liam Neeson e Keanu Reeves estabeleceram com suas próprias franquias na última década.

Por que Infiltrado parece sob medida? Porque é uma combinação muito esperta de filme de assalto e filme de vingança, inclusive um interesse que a trama nos gera logo de início é acompanhar como esses dois subgêneros disputam espaço e se alternam ao longo da narrativa, dividida em capítulos e de estrutura não-linear. Esse interesse tende a ir diminuindo do meio para o fim, especialmente quando a estrutura fica previsível e quando o roteiro usa o acaso como último recurso (o protagonista passa o filme inteiro estabelecendo conexões e no fim é uma coincidência que resolve tudo).

É muito prazeroso, porém, colocar Infiltrado nessa perspectiva da parceria Ritchie-Statham e perceber como ela se reorganizou num contexto de thrillers urbanos menos caricatos e mais diretos. Assim como em Snatch (2000), ainda temos núcleos de personagens organizados como bandos (que continuam se vestindo com camisa pólo abotoada no pescoço, à moda londrina), mas como o ponto de vista central (Statham em busca de vingança) é individual e puxa a orquestração da narrativa para si, fica interditado fazer um filme-mosaico, de múltiplos protagonistas, como Snatch. A estratégia de ir e voltar no tempo é uma forma de resolver isso: os núcleos paralelos - a gangue de Statham, a gangue do vilão - são introduzidos não como mosaico mas como peças de uma trama só. Menos difuso, mais direto.

O próprio jeito de filmar e utilizar a música parece pensado em Infiltrado para simplificar as coisas. Se é um filme sobre contenção (o personagem de Statham age com frieza e, se pudesse escolher, sairia metralhando do início ao fim) e sobre a expectativa de um duelo sempre adiado, tanto a câmera (que fica fazendo zoom-ins e zoom-outs pela metade, aos poucos) quanto os temas sempre repetidos da ótima trilha sonora de Chris Benstead reforçam esse caráter obsessivo contido. A quantidade de silêncios (ou de som naturalista removido para privilegiar pequenos barulhos) e a própria divisão do filme em capítulos reforçam a secura e a bitolagem como estratégias.  

As escolhas estilísticas precisam mesmo chamar atenção para si, porque como todo o miolo do filme se apresenta como uma longa digressão temporal antes da revelação e do encontro final, às vezes o interesse do espectador vai se sustentar pela virtuose. Nessas horas Guy Ritchie mostra que os seus 20 anos de carreira lhe ensinaram meios de pelo menos variar um pouco o arsenal de truques marrentos (como na montage que toca “Folsom Prison Blues”, clipada como se fosse trailer).

A impressão que fica ao final de Infiltrado é muito positiva porque sugere que Statham e Guy Ritchie se esforçaram para não se repetir nem estacionar no tempo. Ritchie parece em busca de um minimalismo novo, e certamente assistiu a algum filme de S. Craig Zahler ou outros thrillers contemporâneos franceses, além de Cash Truck, para dar mais gravidade e secura aos rompantes de violência. Já Statham opera aqui uma variação mais sombria de sua usual persona de pedra, silenciosa e classuda, e soube escolher bem um suspense de vingança que não soasse apenas como uma oportunidade de reposicionar sua marca (ainda que os elementos de uma potencial franquia estejam todos ali).

Nota do Crítico
Ótimo