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Quando noticiamos pela primeira vez a produção O dia depois de amanhã o comentário foi "lá vem mais um filme catástrofe". Chega a ser curiosa esta vontade de Hollywood (e da raça humana, de uma maneira geral) de ver a Terra sendo destruída. Contando apenas nos anos recentes, já tivemos duas ameaças "reais" de destruição causadas por meteoros (Armageddon e Impacto Profundo), outras duas por vulcões (Volcano e O inferno de Dante) e, ano passado, vimos o núcleo da Terra parar de girar e o campo eletromagnético do planeta se deteriorar rapidamente em O núcleo.
Claro que com tanta desgraça e a presença do "destruidor" Roland Emmerich fomos ao cinema com a certeza de que veríamos mais do mesmo. Mas, para a nossa surpresa, o diretor de Independence Day e Godzilla acertou a mão e preparou um excelente filme pipoca. Veja bem, não estamos falando que se trata de uma nova obra-prima da sétima arte, mas sim de algo muito bom dentro do seu propósito: entreter o público que vai ao cinema apenas para esquecer um dia árduo de trabalho.
Difícil saber se foi proposital, ou não, mas a primeira cena lembra muito o teaser trailer de A era do gelo (Ice Age, de Carlos Saldanha e Chris Wedge - 2002) e ajuda a "criar um clima" propício à diversão. E a partir deste momento, só resta relaxar e curtir, sem se preocupar muito com os buracos do roteiro ou a um ou outro efeito especial que poderia ser melhor. Como esta é a terceira vez que Emmerich destrói Nova York, ele consegue tomadas e efeitos muito bons e a trilha sonora composta por Harald Kloser ajuda a criar toda a tensão que um filme catástrofe necessita.
Papai sabe tudo
Quem vai trazer as más notícias ao público desta vez é o cientista Jack Hall (Dennis Quaid). Ele descobre que o aquecimento global está causando um aumento da taxa de água doce no mar e isso pode mudar todo o ecossistema da Terra, pois alteraria as correntes marinhas e faria com que o planeta sofresse um novo ajuste térmico, cuja principal conseqüência seria o congelamento quase completo do hemisfério norte, que viveria uma nova Era do gelo. Segundo o estudo preliminar apresentado por ele num congresso da ONU na Índia, isso pode levar algumas décadas para acontecer, mas se nada for feito agora, nossos filhos ou netos sofrerão neste cenário. Quem parece não estar nada preocupado com isso é o governo americano, em especial seu vice-presidente. Com a ajuda dos colegas de profissão, o britânico Terry Rapson (Ian Holm - o Bilbo de O senhor dos anéis) e sua equipe, Jack acaba descobrindo que seus cálculos estavam errados e que a Terra como conhecemos está prestes a deixar de existir. Começa então a corrida contra o relógio e contra o termômetro.
Mas assim como Titanic (de James Cameron) não era um filme sobre um grande navio afundando, O dia depois de amanhã também não fala apenas sobre a falta de futuro do nosso planeta. No meio de todos estes problemas, Jack percebe que tem sido um marido e pai ausente e resolve consertar a situação salvando não apenas o mundo, mas principalmente sua família. E, como percebemos, os Hall nasceram para ser heróis. O pai vai caminhar na maior tempestade de neve dos últimos 10 mil anos para resgatar o filho Sam (Jack Gyllenhaal), preso na Biblioteca Municipal de Nova York. A mãe (Sela Ward), médica, se arrisca por um paciente e Sam faz de tudo para salvar a namoradinha (Emmy Rossum). Até mesmo o presidente norte-americano tem seus 15 segundos de bravura, sendo o último a deixar a Casa Branca, o que todos sabemos que nunca aconteceria. Mas, por favor, não confunda isso com a estapafúrdia idéia de Independence Day, em que o próprio governante lidera a batalha decisiva contra os alienígenas pilotando um avião de combate. Parece que o diretor alemão entendeu que nem os americanos acreditaram nessa.
Aliás, em O dia depois de amanhã os americanos não são a salvação da Terra. Eles estão mais para culpados pela destruição e vítimas da ira da mãe natureza, que resolve se vingar contra aqueles gananciosos que a maltrataram. Para conseguirem migrar para o sul do continente e entrar no México, o governo ianque tem de perdoar as dívidas da América Latina. É uma das cenas mais divertidas, pelo menos para nós terceiro mundistas, ver os "todo poderosos" se acotovelando para serem aceitos na imigração "chicana".
Ficção quase científica
Apesar de não ser baseado em fatos reais, há um certo embasamento científico no filme. As tais correntes marinhas descritas no roteiro realmente existem e ajudam a manter a temperatura do Hemisfério Norte. O aquecimento terrestre e o "mal funcionamento" das condições climáticas são um fato. Ano passado, a Europa viveu seu verão mais forte. Enquanto estava em fase de pré-produção, Emmerich ficou sabendo da chuva de granizos do tamanho de laranjas, que chegou a matar 25 pessoas no Japão. Em um dos primeiros dias de filmagem, os Estados Unidos foi atingido por 75 tornados e enquanto filmavam no Canadá, atores e equipe técnica enfrentaram um inverno que tinha temperaturas 25 graus Celsius abaixo de zero.
Mas o fato real mais trágico presente no filme não tem nada a ver com a natureza. Estamos falando da política norte-americana de não adesão ao Protocolo de Kyoto, acordo que controla a emissão de gases poluentes que afetam a camada de ozônio. O gabinete da Casa Branca não gostou da citação, mas o diretor parece não ligar muito para isso. Segundo matéria publicada na Folha de São Paulo, se o mundo acabasse amanhã, a última mensagem do cineasta seria "chega de Bush!". Palavras corajosas para alguém que sobrevive de um trabalho dominado pelos dólares americanos.
Há um tempo, eram poucos os que tinham a manha de falar mal do governo americano. Hoje em dia, vemos Michael Moore ganhando a Palma de Ouro em Cannes por criticar abertamente o presidente dos Estados Unidos. E agora, até mesmo os blockbusters estão cutucando a Casa Branca... é mesmo o fim do mundo! :-)