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Os irmãos Grimm (The Brothers Grimm, 2005) é um dos filmes mais legais do ano. Fato! Terry Gilliam, mesmo quando está trabalhando para uma superprodução de estúdio (nada contra a prostituição esporádica!) e fora de seu universo de obras surrealistas, oníricas e totalmente autorais, consegue criar filmes inteligentes, contestadores e - principalmente - divertidos.
Mas para apreciar o filme é necessário expurgar-se das bobageiras em cartaz. Gilliam exige um olhar distinto. Seu humor, mesmo o pastelão, é mais refinado e incisivo que o besteirol da vez. Se ele acha que dá pra fazer graça com um sujeito cortado ao meio, irá fazê-lo. E dane-se a censura!
Sem ter estréias no cinema desde 1998, quando filmou Medo e delírio em Las Vegas, o cineasta passou os últimos anos sofrendo com seu The man who killed Dom Quixote. O projeto fracassou por fatores diversos - e eles incluem coisas tão distintas quanto o clima, o exército e os burocratas de companhias seguradoras - e nunca conseguiu ser concluído. Precisando de dinheiro para retomá-lo, Gilliam aceitou a missão de dirigir Os irmãos Grimm. Mesmo um tanto ranheta, já que deixou claro todo o tempo que estava ali apenas pelo pagamento, o ex-Monty Python parece ter se divertido no final, pois o filme não dá qualquer pista desse desinteresse. Pelo contrário, resulta digno de figurar ao lado de qualquer produção anterior do cineasta.
Mas a qualidade do filme também deve ser atribuída a Ehren Krueger, o roteirista. O texto é bastante inventivo, reunindo aventura e comédia na dose certa, algo que ele já havia conseguido com Piratas do Caribe: A maldição do Pérola Negra. No entanto, duvido muito que o filme seria tão interessante com um diretor diferente, já que traços marcantes do trabalho de Terry Gilliam pipocam ao longo de toda a fita. Uma seqüência, por exemplo, faz lembrar o bizarro Jabberwocky, filme que ele dirigiu em 1977.
A opção por Gilliam é muito bem-vinda. Qualquer outro, mais submisso aos produtores, deixaria o filme com cara de produção da Disney (o texto de Krueger poderia descambar facilmente a isso), o que ajudaria a reforçar a idéia criada por Walt Disney que as obras dos Grimm são aquelas fábulas fofinhas que vemos nos desenhos da empresa. O toque do cineasta ajuda a recuperar um pouco da aura sombria dos textos originais dos escritores.
A história mostra Heath Ledger e Matt Damon como Wilhelm e Jacob Grimm, os famosos escritores que registraram em papel lendas e contos da tradição oral no século 19. Mas não se trata de uma cinebiografia. O filme parte da premissa que os dois eram trambiqueiros que vagavam de vila em vila pelo interior da Alemanha vendendo seus serviços de "eliminação de criaturas". Apoiando-se nas crenças dos camponeses, eles armavam encenações realistas com bruxas e trolls para depois cobrarem suas taxas de exorcismo, livrando os vilarejos de tais pestes sobrenaturais. Todavia, sua farsa é comprometida quando os franceses - na época, os exércitos de Napoleão ocupava a Alemanha - forçam a dupla a investigar outros vigaristas em atividade numa região remota. O que ninguém desconfia é que trata-se de uma bruxa de verdade, cujos poderes servirão de inspiração para as obras pelas quais os Grimm serão imortalizados.
Ledger e Damon vivem os personagens com sua competência habitual. Mas dois atores roubam a cena. Jonathan Pryce, o contador alado de Brazil - O filme, está impagável como o general francês que cuida do território ocupado. Além dele, Peter Stormare, um dos sujeitos mais versáteis do cinema, arranca gargalhadas como o sádico torturador italiano Cavaldi. Monica Bellucci, pena, mal aparece, mas está linda e... hmm... recheada como sempre na pele da bruxa malvada.
Tecnicamente, a produção também é um desbunde. Gilliam pensa grande, um quadro por vez. Cenários realistas, monstros fantásticos, ação competente e engraçada nos levam a imaginar como seria se Gilliam fosse reconhecido como o gênio que é e tivesse um grande orçamento, desses que dão pra qualquer diretor de videoclipes, para continuar a fazer seus filmes autorais... mas não tem jeito. Irmãos Grimm foi um fracasso nos Estados Unidos. Vai ver eles não gostaram de assistir a um exército invasor como o vilão da história...