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Um sujeito corre pelo Central Park em neve enquanto surgem os créditos iniciais do filme, embalados por uma música suave. A seqüência dura uma eternidade... ele corre, corre, corre... até que o público flutua numa espécie de torpor hipnótico. Mas ao passar por baixo de um arco de pedra, o corredor - agora só uma silhueta - pára, põe a mão no peito e morre, derrubando a audiência de seu estado alfa.
A seqüência inicial de Reencarnação (Birth, 2004), do competente Jonathan Glazer (Sexy Beast), prenuncia o tom da produção, assinada por Milo Addica (A última ceia) e Jean-Claude Carrière (colaborador de Luis Buñuel). Cadenciado como um metrônomo, o drama é pontuado por pouquíssimos momentos de emoção pronunciada, preferindo apoiar-se na criação de um clima de tensão, algo extremamente favorecido pela fotografia em tons beges fabricada por Harris Savides.
O nome do sujeito que morreu é Sean. Uma década após seu falecimento, a viúva Anna (Nicole Kidman, com cabelos curtíssimos e ruivos) prepara-se para seu segundo casamento. Ela e seu noivo, Joseph (Danny Huston), vivem num enorme apartamento no Upper East Side, área nobilíssima de Nova York, onde estão dando a festa para anunciar seu noivado. Tudo parecia perfeito, até que surge (ou ressurge) Sean (Cameron Bright), um menino de 10 anos de idade que insiste em afirmar que é o marido falecido de Anna. A revelação, claro, desestabiliza toda a vida do casal, muito a contragosto da matriarca da família (Lauren Bacall). Mas estaria o menino falando a verdade? Tudo indica que sim, já que ele conhece em detalhes informações que só o verdadeiro Sean poderia saber.
O jovem Bright (O enviado) e Kidman têm atuações milimetricamente controladas, que favorecem o clima realista da história e casam perfeitamente com a atmosfera criada pelo diretor. Ao final, o filme funciona harmoniosamente bem, o que é algo curioso se observarmos seu resultado mundial.
Fracasso em todos os mercados onde foi lançado, o filme não merecia tamanho desprezo. Foi prejudicado pela polêmica ocorrida durante a sua primeira sessão, realizada no Festival de Veneza em setembro de 2004. Nela, a película foi recebida com frieza e alguns críticos deixaram a sala no meio da projeção. Algumas vaias também irromperam da platéia. A razão do comportamente exarcerbado do público é uma cena em que Kidman divide uma banheira com o garoto. A seqüência mais constrange do que choca, mas aos olhos do público puritano deve ter parecido uma orgia pedófila.
Além disso, a trama exige uma certa inteligência para tapar os buracos e entender tudo o que aconteceu, algo a que a maioria preguiçosa dos espectadores certamente não se dispõe. Impossível deixar de imaginar que tudo isso seria muito diferente se o menino se revelasse ao final da projeção a aterrorizante criança fantasma da vez.