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Cada vez mais, a indústria Hollywoodiana apóia-se nos superlativos para alardear sua produção. Os filmes custam centenas de milhões entre desenvolvimentos, cachês astronômicos e campanhas de mídia para vendê-los ao público e, mais tarde, aos votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Sim, para o júri do Oscar.
Para os filmes com suposta melhor qualidade, o troféu é um tremendo negócio. Uma indicação significa grandes somas nas bilheterias, já que o público tem necessidade quase doentia de conhecer os tais "melhores do ano". Assim, já é hábito enraizado da indústria lançar os oscarizáveis poucos dias antes da virada do ano, para que eles fiquem mais frescos na mente dos votantes. Existe farsa maior? Um bom filme mantém-se na memória durante anos, décadas até. Não deveria necessitar de tais artifícios... Tais manobras, claro, funcionam bastante bem dentro do ano em questão para os bolsos dos produtores. Eventualmente, o Oscar até acerta, premiando longas realmente bons. Mas na grande maioria das vezes não passa de uma broxada de quatro horas, uma exaltação à mesmice e aos sujeitos de sempre. No entanto, todos os anos, há também dentre os tubarões um tipo de filme pequeno, que galgou sua fama nos festivais, cruzou o mundo e já entrou em cartaz com um alarde que realmente justifica sua indicação. Esses filmes são quase uma confissão de culpa da indústria, que se força a indicá-los como uma triste tentativa de lembrar que cinema pode – e deve! – ser feito com simplicidade, almejando grandeza. Sideways - Entre umas e outras (Sideways, 2004) é esse filme em 2005. Dirigida por Alexander Payne (As confissões de Schmidt), também co-roteirista ao lado de Jim Taylor, a comédia dramática é baseada no romance homônimo de Rex Pickett sobre dois amigos numa viagem de degustação de vinhos que serve como despedida de solteiro para um deles. Diretor ordeiro, Payne não se arrisca em planos moderninhos ou tenta extrair beleza de onde não existe. Na única vez em que inventa moda – numa seqüência de planos recortados e dispostos lado a lado na tela –, o resultado acaba um tanto destoante. A compensação, porém, chega logo adiante com uma câmera instável que simula os efeitos da bebida nos protagonistas. O diretor também sabe evitar as armadilhas dos road movies e nunca deixa a fotografia sobrepujar a trama, que aguarda paciente pelos momentos de catarse. Aliás, é numa dessas seqüências-chave que o filme se mostra também bastante crítico. Nela, ao fundo de uma cena de sexo bizarro, estão o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, e o secretário de defesa Donald Rumsfeld. Mais ácido, impossível. A história começa quando o divorciado Miles (Paul Giamatti) e o ator de segunda Jack (Thomas Haden Church), antigos colegas de quarto na faculdade, decidem passar uma semana no Vale de Santa Ynez, região da Califórnia conhecida pela produção de bons vinhos, assunto preferido do primeiro. A idéia é que os sete dias sirvam para relaxar, apreciar a bebida local e jogar golfe... pelo menos é isso que pretende o depressivo Miles, uma vez que Jack, às vésperas de seu casamento, só pensa em transar com todas mulheres que puder e "ficar maluco" pela última vez em sua vida. A diferença de atitude de ambos já fica clara numa das primeiras cenas, quando o ator abre dentro do carro uma garrafa de espumante quente a fim de fazer um brinde, para o desespero do amigo enólogo. Professor colegial, Miles tenta, há anos, publicar seus romances sem sucesso. Divorciado há três anos, também não consegue superar o relacionamento fracassado. Seu único refúgio é a apreciação de vinhos, algo que conhece com perfeição profissional. A paixão pela bebida leva-o juntamente com Jack à cidade de Solvang, próxima de diversas vinícolas, onde o amigo consegue convencê-lo a sair para jantar com duas mulheres locais, a garçonete Maya (Virginia Madsen) e a balconista Stephanie (Sandra Oh). Enquanto Jack e Stephanie iniciam sem cerimônias uma noitada de sexo, Miles e Maya começam um vagaroso entendimento mútuo. A cena, aliás, é uma das melhores e mais românticas registradas no passado recente, com o escritor explicando seu amor (uma metáfora para a sua própria carência) pela pinot noir, considerada pelos vinhateiros como a uva do cultivo mais complicado. Maya, por sua vez, revela os motivos pelos quais aprecia a bebida fermentada, que considera "viva". As atuações de ambos são arrepiantes e mostram a qualidade do sutil trabalho do diretor, que extrai do comedido Giamatti uma das melhores atuações de sua vida. Curiosamente, o ator não foi indicado ao Oscar em 2004 pelo excepcional Anti-herói americano, tampouco em 2005 por este filme, o que denota um certo preconceito hollywoodiano pela sua figura comum, "Homer Simpsoniana". Já Madsen e Church, ótimos, mas inferiores a Giamatti, conseguiram suas indicações. Será que Hollywood está esperando para que o excelente ator faça um papel menor para honrá-lo como coadjuvante? De qualquer forma, Giamatti já está devidamente consagrado como um dos melhores atores da atualidade, com ou sem estatueta dourada na prateleira (na verdade, ele tem uma honraria... foi eleito o melhor super-herói de 2004 pelos leitores do Omelete!). Enfim, como na conclusão de As confissões de Schmidt, o diretor e o roteirista conseguem criar um final memorável para Sideways, que elegantemente quase passa do ponto, mas termina marcante, gravando a produção na memória como um dos melhores filmes norte-americanos de 2004. Exatamente aquilo de que os "oscarizáveis" só chegam perto com milhões de dólares.