Filmes

Crítica

A Libertação abraça o terror como via de transformação

Lee Daniels não consegue usar drama social como combustível para terror de possessão

02.09.2024, às 20H56.
Atualizada em 02.09.2024, ÀS 21H07

A primeira sensação ao fim de A Libertação, novo terror de Lee Daniels (Preciosa), é que existia um filme interessante na história apresentada. Afinal, a trama que aborda o caso verídico da família de Ebony Jackson (Andra Day) é real demais para não se conectar. Moradora da periferia e com três filhos criados por ela, avó e um pai militar que está na guerra, a protagonista encapsula um modelo naturalmente empático — o que torna a personagem especial, porém, é quão explosiva e avessa a posição vulnerável que se encontra.

Essa característica não vem de forma gratuita, ela surge da criação violenta e ausenta que a moça teve pela mãe, a recém-convertida à Bíblia Alberta Jackson, interpretada por Glenn Close. Essa mistura dá a Day as camadas necessárias para criar uma personagem visceral, pronta para potencializar o drama social envolto em conto regional, tal qual grande parte dos trabalhos de Daniels. A diferença é que aqui ele busca o horror de possessão como veículo de narrativa, usando a religião e clichês de penitência e traumas como gasolina para a junção dos gêneros.

A mão pesada do diretor segue presente, seja nos personagens verborrágicos, nas atuações caricatas ou no novelão dramático que se torna o roteiro — EUA vs Billie Holiday, O Mordomo da Casa Branca e o premiado Preciosa são bons exemplos de histórias de impacto e dilemas sociais. O longa segue a cartilha destes dramas com dedicação até o meio da história, momento em que os elementos fantásticos se misturam com as questões familiares, e Daniels se complica para achar o equilíbrio da mistura que tenta apresentar.

Usar embates entre pais e filhos como tema para horror não é nem de longe algo novo, menos ainda quando se fala em criação e crenças. Por isso que o desenvolvimento da história de Ebony se torna frustrante ao passo que não consegue incluir os elementos de terror na narrativa da derrocada familiar que ela se envolve. Daniels falha não só em conectar os pontos que destroem por dentro o núcleo da família, como também na simples execução de clichês do gênero — não existe atmosfera de suspense ou drama que torne qualquer possessão um acontecimento de impacto.

No momento em que A Libertação decide abraçar o terror como via de transformação, não há base suficiente para que exista medo ou mesmo alguma justificativa plausível para que os dramas dos personagens se conectem com o sobrenatural sugerido. A maldição não se liga com as questões familiares, e a temática de fé é abordada à revelia do fio condutor da história, se tornando um motivo gratuito para algo que deveria ser um dos pilares do roteiro. No fim, a mistura de gêneros de Daniels acaba por enfraquecer as duas sugestões, com um drama que falha em emocionar, e um terror que não consegue assustar.

Nota do Crítico
Regular