Quando os pais de Kevin (Macaulay Culkin) foram viajar e o deixaram para trás, o menino conseguiu se virar comendo sorvete, vendo TV até tarde e dando paneladas em bandidos. Todo mundo achou aquele loirinho muito fofo e deu várias risadas vendo Esqueceram de Mim (Home alone, de Chris Columbus, 1990). O que acontece em Mar Aberto (Open water, 2004) é quase isso. A diferença é que em vez de uma criança de 8 anos, os esquecidos são um casal em férias no Caribe. Os agravantes são que os dois são deixados no meio do mar, sem sorvete, nem panelas. Ah e no lugar de dois bandidos atrapalhados, estão tubarões... de verdade!
Mar Aberto
Mar Aberto
O diretor e roteirista Chris Kentis e sua esposa e produtora Laura Lau levaram ao pé da letra os caracteres iniciais, que dizem baseados em fatos reais e economizaram efeitos especiais colocando os atores Daniel Travis (Daniel) e Blanchard Ryan (Susan) nadando com tubarões de carne, cartilagem, barbatanas e dentes afiados. A tal história em que se inspiraram aconteceu na Austrália, mas o próprio Kentis faz questão de dizer que não estava interessado em filmar as pessoas que realmente estavam envolvidas neste episódio. Por isso, inventou novos nomes e criou situações que poderiam (podem?) acontecer com qualquer um.
O filme começa com Daniel e Susan saindo de férias. A câmera os acompanha por todos os lados. No carro, no quarto do hotel, no banheiro e até mesmo na cama! Antes de subirem no barco que os levará para mergulhar ao lado de moréias, barracudas, peixes-anjo, arraias e, eventualmente, tubarões, os momentos de maior tensão entre os dois são uma noite de sexo que não acontece porque ela não quer e uma noite de sono que não acontece porque um pernilongo não quer.
Na embarcação, o casal demonstra que não quer muita interação, conversando o mínimo possível com os outros 18 mergulhadores. Na hora de mergulhar, os dois continuam seguindo seu próprio caminho. Já sabendo que não há nada que possa ser feito para impedir que eles sejam esquecidos pela tripulação, começa a tensão. Até o derradeiro momento que âncoras são içadas e o barco deixa o local combinado são cronometrados 25 minutos de cenários exóticos, conversas cotidianas de um casal que passa por uma certa turbulência e uma visão de mero espectador. A partir daquele momento, câmera e espectador se fundem e passamos a ser tão vítimas do esquecimento quanto os dois protagonistas.
Os minutos na poltrona são tão duros quanto as horas que os dois personagens enfrentam na história. Quem tem problemas de enjôo, deve tomar um comprimido antes de entrar na sala, pois o sobe e desce das ondas demora para passar. O que também oscila muito é a tensão entre os dois personagens. Em alguns momentos eles demonstram ser o casal perfeito, em que um ajuda o outro no momento de maior pressão. Porém, logo em seguida começam a acusar o parceiro por tudo o que está dando errado. Assim, além de mostrar a insignificância humana perante a natureza, o filme demonstra a nossa fragilidade psicológica, que nem precisa de uma mordida de tubarão para rachar, basta uma pequena pressão, como por exemplo a simples visão de uma barbatana.
Para filmar ao lado de tubarões, os atores colocavam coletes de metal (como aqueles usados na época das cruzadas) por baixo de suas roupas de mergulho. Ao todo, eles ficaram 120 horas na água e o único problema aquático não foi causado por um tubarão faminto, mas sim uma barracuda, que mordeu Daniel. Já refeita de todos os traumas e peles enrugadas causados pelas filmagens, a linda, talentosa e ex-desconhecida Blanchard Ryan se diverte lembrando que certa vez uma senhora que assistiu ao filme em uma pré-estréia fez questão de encontrar os dois atores para ter certeza de que eles estavam inteiros.