Já se passaram vinte anos desde o primeiro Meninas Malvadas. Uma comédia debochada sobre amizade e rivalidade feminina, o filme de 2004 tinha tudo para ser reprovado no teste do tempo. Muito mudou desde então, afinal: vivemos em tempos de valorização da sororidade, o empoderamento feminino está em alta, e é complicado tocar em assunto de autoimagem de modo leviano. Mas foi isso que fez de Meninas Malvadas o sucesso absoluto até hoje: de modo muito natural, o filme ousou postular a rivalidade feminina, a inveja, o desejo por popularidade, e todo o pacote que vem com isso, como parte da natureza humana.
Por mais que isso não seja incrivelmente inovador, a ideia tem seu fator de risco, sim. E o Meninas Malvadas que chega agora aos cinemas, que tinha potencial para reimaginar a história de um jeito mais seguro, faz muito bem em apostar no contrário. O remake musical, que segue uma jornada absolutamente igual ao primeiro filme, na realidade, serve para comprovar a atemporalidade da comédia de 2004.
Parte disso vem da moral da história, claro (spoilers, talvez?) – de que por mais que a gente se odeie, fale mal uma da outra e jogue os jogos da adolescência com entusiasmo, todos queremos uma mesma coisa: ser aceitos como somos. No fim das contas, a mensagem de tolerância e autoaceitação de Meninas Malvadas é o que sobressai nesse conto de amadurecimento, e a honestidade com os sentimentos de todas essas meninas, tão familiares, é o que fez da história um clássico. Não é exagero comparar a história de Tina Fey com os filmes John Hughes, não: ela nos entregou personagens que, por mais clichês que sejam, são ricos de sentimentos jovens, puros, e reconhecíveis.
Nada mais natural que o Meninas Malvadas de 2024 siga, portanto, a história passo a passo, não mudando nada do que aconteceu há vinte anos. Nesse caminho inalterado, faz o que pode para ganhar uma personalidade própria: traz as músicas da Broadway (da peça inspirada pelo próprio filme) ao primeiro plano e tempera o universo com modernidade, com redes sociais, sexo, e ainda mais autoconsciência e piscadelas para o público. Por mais que originalidade não seja uma qualidade aqui, o filme surpreende em quase todos os quesitos, e tem brilho para cativar até os mais céticos da era dos remakes (eu).
A primeira vitória vem com a ótima Angourie Rice, que sustenta o papel de Cady maravilhosamente bem. Por mais que Reneé Rapp, nossa nova Regina George, esteja perfeita no papel, é Rice quem rouba a cena porque sua personagem é muito mais difícil de segurar. A hesitação, o deslumbramento e o desenvolvimento da dupla-face de Cady Heron ganha nova vida em Rice, em uma performance singela e empática. O elenco, aliás, é um difícil de botar defeito: Auli'i Cravalho (Janis) e Jaquel Spivey (Damian) foram escolhas perfeitas e o grupo das plásticas é muito bem complementado por Bebe Wood (Gretchen Wieners) e Avantika (Karen Shetty). Nesse sentido, por mais que o retorno de Tina Fey e Tim Meadows seja adorável de assistir (e que Fey tenha uma das melhores novas piadas do filme) são seus personagens que causam certo estranhamento, simplesmente pela repetição de suas exatas falas de vinte anos atrás.
As músicas retiradas da Broadway, que parecem hits do pop atual, também sabem casar perfeitamente com o humor do filme, e o novo Meninas Malvadas sabe utilizá-las para desenvolver a história sem perder ritmo ou pender para o cansativo. Momentos como “Stupid with Love”, auge da performance de Rice; as divertidas “Sexy” e "Revenge Party", que entregam à dupla de diretores Samantha Jayne e Arturo Perez Jr. um ótimo momento para se se sobressair; ou "World Burn" que arremata Reneé como uma baita Regina George, são suficientes para justificar a existência do novo filme.
É até desnecessário dizer que o novo Meninas Malvadas não supera o primeiro – ele simplesmente não é original. Sua história tem vinte anos e suas músicas, sete. Mas por mais que o remake simplesmente reconte a trama e entoe as canções da peça, o Meninas Malvadas de 2024 se sustenta no frescor de suas performances, musicais ou não.