A maçã mordida por Charlotte Gainsbourg no pôster já é um primeiro indício. No lugar do catálogo de interpretações psicanalíticas sobre o despertar da juventude em Ninfomaníaca 1, o sexo emNinfomaníaca - Parte 2 (Nymphomaniac - Volume II) se associa mais ao pecado. É um filme que lida com o desejo enquanto tabu religioso, mais do que social - e, ao se encaminhar para seu desfecho, o arco dramático da protagonista Joe literalmente passa pelo calvário. Lars von Trier não resistiria a, como se diz em inglês, "end with a bang".
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Das atrizes que buscam se afirmar profissionalmente via autoflagelo nos filmes do dinamarquês, de Björk a Nicole Kidman, Gainsbourg é sem dúvida a mais convincente. É a sua presença, agora que Joe reconta sua vida adulta, e também a oposição mais ostensiva à figura de Stellan Skarsgård (ator que sempre atua melhor com Von Trier e que nesta Parte 2 enfim mostra a que veio como Seligman) que tornam este filme melhor do que o primeiro.
De resto, permanece o sexo filmado com pendor escandalizante (os pintos sempre em close-up, os ângulos no baixo ventre), como nos já famosos cartazes de orgasmos da divulgação, e o humor autorreferente (os comentários irônicos de Joe sobre as digressões narrativas e os títulos de capítulos), planejado com sua metalinguagem para desarmar um eventual esnobismo do filme. Von Trier não quer que ninguém pense que ele é só mais um autor metido a intelectual.
Fica claro aqui, porém, e talvez fique ainda mais quando os dois filmes forem lançados juntos, sem cortes, que com Ninfomaníaca Lars von Trier planejava discursar sobre a condição humana e termina falando mais sobre correção política. É um projeto ambicioso que se imaginava complexo e atemporal - a condição humana sob um viés feminino, desde sempre reprimido, proibido - e acaba se conformando com uma reação ao momento; é o mesmo Von Trier magoado por ter sido banido de Cannes por sua incorreção política.
Não deixa de ser triste, neste grande acerto de contas que contamina os filmes e parece não terminar, que em Cannes naquele ano de 2011 Von Trier tenha eclipsado com suas piadas justamente o seu melhor filme recente, Melancolia - esta sim uma experiência sincera de investigação de feridas da alma. Os filmes do dinamarquês são obviamente personalistas, mas poucas vezes o diretor se mostrou pessoal, de fato, como em Melancolia. Sobram imagens fortes e boas ideias mas falta a Ninfomaníaca essa entrega.
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