Se James Bond não saísse de suas missões com o cabelo impecável e o paletó sem arranhões, talvez os filmes de espionagem não fossem tão pautados pelo estilo e pela frieza. Se a Guerra Fria tem uma imagem síntese no cinemão americano é o carão - o mundo pode explodir, mas para preservar sua fachada os agentes secretos nunca perderão a pose.
Mesmo quando fazia filmes sobre os mais toscos capangas dos subúrbios de Londres, Guy Ritchie sempre valorizou essa pose, em meio ao glamour da violência, então é mais do que esperado que o seu O Agente da UNCLE (The Man from UNCLE, 2015) seja o suprassumo da afetação. Enquanto a série de TV homônima dos anos 1960 parodiava as disputas da CIA com a KGB, o filme de Ritchie - embora bem humorado - não tem o mesmo senso do ridículo.
Henry Cavill e Armie Hammer assumem os papéis principais, respectivamente os espiões Napoleon Solo, da CIA, e Illya Kuryakin, da KGB. Cabe aos dois se aliar à filha (vivida pela sueca Alicia Vikander) de um suspeito alemão para impedir que a bomba atômica caia no mercado negro de armas e arrisque de vez a já tênue paz mundial. Hammer se esmera no sotaque russo para criar um Illya bronco mas de coração mole, enquanto Cavill, numa posição desconfortável, tem dificuldade em achar o tom: é um ator inglês que precisa interpretar um personagem americano que se veste e se comporta como o estereótipo do fleumático espião britânico.
Se falta ao elenco, de modo geral, o carisma dos melhores 007, e se a história não entrega tudo o que promete (a perseguição final é especialmente anticlimática), boa parte da culpa cai na conta de Guy Ritchie, que aqui multiplica os maneirismos da série Onze Homens de um Segredo (narrativa intercalada o tempo inteiro por montagens com canções cool), combinados com seu estilo visual de Sherlock Holmes (as extravagâncias de câmera e de filtros de imagem). A impressão mais insistente é que Ritchie se apega aos tiques de estilo porque seu O Agente da UNCLE, no fundo, não tem muito o que dizer (além do fato de tornar a Guerra Fria uma briga de machões).
Essa impressão é latente em algumas cenas em que o diretor fica fugindo do assunto - o diálogo sem áudio, na conversa de Alicia no carro, a música que suplanta as interações de personagens, os áudios em várias línguas diferentes. A cena em que Cavill fica assistindo à distância a perseguição de lancha de Hammer poderia ser engraçada em tese, mas na prática só serve para sublinhar esse desinteresse de Guy Ritchie em se envolver com seu próprio material. Em resumo, o que falta a O Agente da UNCLE, esse filme incapaz até de gerar uma tensão sexual óbvia entre seus protagonistas, é mesmo rasgar a fantasia.